domingo, 29 de agosto de 2010

Al-‘Alawî: Um santo sufi do século XX



O Infinito ou o Mundo do Absoluto que concebemos como estando fora de nós é, ao contrário, universal e existe tanto dentro de nós como fora. Existe apenas Um Mundo, e este é Isto. Aquilo que concebemos como o mundo sensível, o mundo finito do tempo e do espaço, não é senão uma conglomeração de véus que escondem o Mundo Real. Estes véus são os nossos sentidos: os nossos olhos são os véus sobre a Verdadeira Vista, os nossos ouvidos são os véus sobre a Verdadeira Audição, e é assim também com os outros sentidos. Para nos tornarmos cientes da existência do Mundo Real, os véus dos sentidos devem ser removidos… e o que subsiste então do homem? Subsiste um ténue cintilar que lhe surge como a lucidez da sua consciência… Existe uma continuidade perfeita entre este cintilar e a Grande Luz do Mundo Infinito e, assim que esta continuidade for apreendida, a nossa consciência pode (através da oração) emanar e estender-se como que até ao Infinito e tornar-se Una com Ele, de modo que o homem passa a compreender que o Infinito Apenas é, e que ele, o humanamente consciente, existe apenas como um véu. Compreendido este estado, todas as Luzes da Vida Infinita podem penetrar a alma do sufi, e podem fazê-lo participar na Vida Divina, de forma que ele tem direito de exclamar: “Eu sou Alá”. A invocação do nome Allâh é como que um intermediário que avança e recua entre o cintilar da consciência e os esplendores ofuscantes do Infinito, afirmando a continuidade entre eles e tecendo-os cada vez mais próximos, em comunicação, até que são “unidos em identidade”.

[Tradução de um ensinamento oral transcrito na obra de Martin Lings A Sufi Saint of the Twentith Century: Shaikh Ahmad Al-Álawî: his spiritual heritage and legacy”]

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Poemas da Montanha


Nesta magnífica selecção de Poemas da Montanha recentemente publicada pela Serra d’Ossa Edições, encontramos um caminho para o coração da poesia mística de Frei Agostinho da Cruz, tão magnificamente mapeado pelo texto introdutório de Dalila L. Pereira da Costa.

Com reforçada inspiração para prosseguir este ciclo de estudo dedicado à Natureza, divulgamos aqui esta obra e reproduzimos uma pequena amostra da Elegia da Arrábida deste monge franciscano português.

* * *

Convosco e dentro em vós, Serra batida
Mais das ondas humanas que marinhas,
Cantarei, como cisne, a despedida.

Testemunha sois vós das queixas minhas,
E porque quero mais, antes que gente,
As feras e serpentes por vizinhas.

Tanto, que nem de amigo, nem parente,
Inda agora não faço diferença,
Se seu amor do meu for diferente.

A nenhum deles nisto faço ofensa,
Se algum seu interesse só pretende,
Pois nele só consiste a desavença.

(…)

O descanso do doce pensamento,
O repouso do livre coração,
Não se deve perder um só momento.

Qual deve ser a minha pretensão
Antre os bosques desertos, velho e enfermo,
Senão não ver em mim um só senão?

(…)

Passando os olhos meus pela verdura
Das plantas, que plantou a natureza,
Me mostraram no Céu nova pintura,

Onde a minha alma, em puro fogo acesa,
Não sinta, nem consinta outro desejo,
Senão ficar de amor divino presa.

(…)

Em vão pera comigo o tempo gasta
Quem mais quer alongar meus longos dias,
Que a morte, inda que tarda, não se afasta.

Venha quando quiser, por quaisquer vias,
Que por nenhuma já pode vir cedo
Despir as enrugadas carnes frias.

Deixe-me o coração arder um Credo
Naquele amor divino a quem me dei,
Enquanto vivo aqui neste degredo.

No meu Deus, em que só me confiei,
Porque por mi pregado foi na Cruz,
Confiado só nele acabarei,
Chamando por Maria e por JESUS.