quarta-feira, 25 de abril de 2012

Se desejas que o teu caminho se encurte...

Se desejas que o teu caminho se encurte para que chegues rapidamente à realização, praticarás as obras de caracter “necessário” (al-wâjibât) e aquelas “supererrogações firmemente recomendadas” (ma taakada mîn nawâfili-l-khayrât); aprende da ciência exterior aquilo que é indispensável para servir Deus, mas não te detenhas aí, porque não se exige o seu aprofundamento; é a ciência interior que precisas aprofundar; e combate a cobiça; então verás maravilhas. O “caracter nobre” não é outra coisa senão a taçawwuf dos Sufis, tal como ele é a religião dos homens religiosos; e que Deus amaldiçoe aqueles que mentem! 

Também, fugir sempre à sensualidade [1], porque ela é o oposto da espiritualidade, e os opostos não se rejuntam. À medida que reforças os sentidos, enfraquecer-te-ás no espírito, e inversamente. Ouve o que aconteceu ao nosso mestre (que Deus esteja satisfeito com ele) no começo de seu caminho. Ele tinha acabado de malhar três medidas de trigo e fê-lo saber ao seu mestre, o senhor al-‘Arabî ben Ábd-Allâh, que lhe disse: “Se aumentas no domínio dos sentidos, diminuirás no do espírito, e se diminuis neste, aumentarás naquele”. Isto é evidente, porque enquanto te relacionares com as pessoas (mundanas), jamais sentirás nelas o perfume do espírito; não sentirás senão o odor do suor, e isto advém da sensualidade os ter subjugado; ela apoderou-se dos seus corações e dos seus membros: eles não encontram nenhum benefício senão nela, de maneira que só tagarelam, só se ocupam e só se rejubilam dela e dificilmente se desapegam dela; e todavia numerosos são aqueles que dela se desapegaram para mergulhar no espírito para o resto de suas vidas; que Deus esteja satisfeito com eles e que nos faça tirar proveito da sua bênção, Ámen, Ámen, Ámen! – É como se Deus (exaltado seja ele) não lhes tivesse dado o espírito (isto é, às pessoas mundanas), embora cada qual faça parte dele, assim como as ondas fazem parte do oceano. Se eles o soubessem, eles não se deixariam distrair pelas coisas sensíveis; e se eles o soubessem, descobririam neles mesmos oceanos sem limites; e Deus é a garantia do que dizemos. 

[1] Al-hiss, a sensualidade no sentido mais lato do termo, ou seja o apego à experiência sensível. 

in Lettres d'un maître soufi, Le Sheikh al-'Arabî ad-Darqâwî, Traduites de l'Arabe par Titus Burckhardt; Letters of a Sufi Master, The Shaykh ad-Darqâwî, Translated by Titus Burckhardt

domingo, 1 de abril de 2012

Espírito de tolerância

Tierno Bokar (1875-1939) foi um mestre espiritual sufi que viveu no Mali no início do séc. XX. Apesar dos incríveis obstáculos que enfrentou no decurso da sua vida, as suas palavras acabaram por ser preservadas através de um dos seus mais próximos discípulos, Amadou Hampaté Bâ. Estas suas palavras, registadas num livro que aqui recomendamos, A Spirit of Tolerance – The Inspiring Life of Tierno Bokar, são palavras de elevada inteligência espiritual, com uma enorme ênfase no amor, na caridade e numa fraternidade que desconhece fronteiras religiosas. As palavras que seleccionámos dizem respeito precisamente a este último aspecto e são, tal como toda esta obra, verdadeiramente inspiradoras. 


“Tierno,” perguntei-lhe um dia, “será favorável relacionarmo-nos com pessoas de outras fés para trocar ideias e melhor compreender o seu Deus?” Ele respondeu:
Porque não? Dir-te-ei: devemos falar com estrangeiros desde que sejamos capazes de ser cordiais e respeitosos. Ganharás enormemente com o conhecimento de diversas formas religiosas. Acredita em mim, cada uma destas formas, por muito que te possam parecer estranhas, contêm aquilo que pode fortalecer a tua própria fé. Por certo, a fé, tal como o fogo, deve ser mantida através de um combustível apropriado para que resplandeça. Caso contrário, enfraquecerá, perderá intensidade e volume e transformar-se-á em brasas, depois em carvão e por fim em cinzas.

Acreditar que a nossa raça ou a nossa religião é a única que possui a verdade é um erro. Isto nunca poderia ser. Na verdade, na sua natureza, a fé é como o ar. Tal como o ar, ela é indispensável para a vida humana e não é possível encontrar um homem que não acredite verdadeira e sinceramente em algo. A natureza humana é tal que não é capaz de não acreditar em algo, seja em Deus ou em Satanás, seja no poder ou na riqueza, seja na boa ou na má sorte.

Assim, quando um homem acredita em Deus, ele é nosso irmão. Trata-o como tal e não sejas daqueles que se perdem. A não ser que se tenha a certeza de possuir todo o conhecimento na sua totalidade, é necessário preservarmo-nos de nos opormos à verdade. Algumas verdades apenas nos parecem para além da nossa aceitação pela simples razão de que o nosso conhecimento ainda não teve acesso a elas.

Evita confrontos. Quando algo noutra religião ou crença te choca, procura ao invés tentar compreendê-lo. Talvez Deus venha em teu auxílio e te ilumine sobre o que te causa estranheza…
(…) 
O ensinamento religioso dado por um Profeta ou por um mestre espiritual autêntico é como água pura. Pode ser absorvido sem qualquer perigo para a nossa saúde espiritual ou moral. Esse ensinamento será inteligível e de uma ordem superior. Tal como a água pura, não conterá nada que o possa alterar pela modificação do seu sabor, do seu odor, da sua cor. Amadurecerá a mente e purificará o coração, pois não contém qualquer poluente externo que possa ter o efeito de ofuscar a alma ou endurecer o coração. Não podemos deixar de enfatizar os benefícios resultantes do estudo dos ensinamentos de outras religiões reveladas. Elas são, para todos, como a água potável. (…)