domingo, 20 de junho de 2010

A Água e o Seu Significado Espiritual


Apresentamos esta obra que contém artigos e poesia relacionados com a natureza sagrada e sustentadora da água – o seu simbolismo nas grandes tradições espirituais do mundo: Hinduísmo, Judaísmo, Budismo, Cristianismo, Islamismo, Taoísmo, Confucionismo – e a dos nossos Povos Primordiais. Nela podem ser encontrados textos oriundos da área académica em crescimento de Religião e Ecologia, assim como sobre o modo com que os assuntos mundiais da água estão a ser abordados por pessoas de fé. Nesta obra, à medida que aprendemos mais sobre lagos, chuva, rios sagrados, fontes e lágrimas, deparamo-nos com temas universais tais como o Dilúvio, o Transpor das Águas, os Rios do Paraíso e o Baptismo. Deixamos aqui uma muito pequena amostra da mesma.


Deus está para o homem como o magnete está para o ferro. Então por que não atrai Ele o homem? Tal como o ferro profundamente embebido em lama não é movido pela atracção do magnete, também a alma profundamente embebida em Maya não sente a atracção do Senhor. Mas tal como o ferro se move livremente quando a lama é lavada com água, também a alma por constantes lágrimas de oração e de arrependimento lava a lama de Maya que a prende à terra, e é rapidamente atraída pelo Senhor.

Excerto do Evangelho de Sri Ramakrishna


Existe uma "fonte na Divindade, que brota sobre todas as coisas na Eternidade e no Tempo".
Mestre Eckhart


Alguns dos artigos seleccionados pelo editor:

- Wendell Berry, Sabbaths: The Book of Camp Branc (selections)
- Coleman Barks, Wandering Thoughts on Rumi, Water, Music, Love, and Identity
- Jonathan Montaldo, Sacred Waters: Thomas Merton’s Thirst for Contemplation
- Thomas Merton, Rain and the Rhinoceros, In the Rain and Sun, and Song
- Titus Burckhardt, The Symbolism of Water
- Alexander Price, The Centrality of Water in the Hopi Tradition
- Mary Evelyn Tucker and John Grim, The Emerging Alliance of World Religions and Ecology
- Henry David Thoreau, Shells Upon the Shore
- Hamza Yusuf Hanson, Walk on Water
- Rabbi Dr. Menachem Kallus, The Feminine and Masculine Waters in the Teachings of the Baal Shem Tov
- Graeme Castleman, Returning to the Primordial: The Water Symbolism of Baptism
- Martin Lings, The Quranic Symbolism of Water
- A.K. Coomaraswamy, The Sea and The Flood in Hindu Tradition
- Bonnie Myotai Treace Sensei, Take Me to the River: The Koan of Kindness
- Huston Smith, Served With Distinction, 1910­1932
- Selections from the Gospel of Ramakrishna

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Michael Oren Fitzgerald


Michael Oren Fitzgerald nasceu em Indianápolis, em 1949. É autor e editor de livros sobe as religiões do mundo, tradição, cultura e filosofia. Compôs vários livros premiados e documentários, alguns deles usados em cursos universitários. Fitzgerald é um reconhecido especialista na religião e cultura dos índios das planícies dos Estados Unidos da América e é também filho adoptivo do chefe Thomas Yellowtail, um dos mais conhecidos e respeitados líderes espirituais dos índios da América do Norte e sobre quem escreveu uma elogiada biografia.

Frithjof Schuon – Mensageiro da Filosofia Perene

Apresentamos mais esta notável obra de Michael Oren Fitzgerald, Frithjof Schuon: Messenger of the Perennial Philosophy, muito recentemente publicada pela World Wisdom (2010), e que consiste em nada menos do que a mais completa biografia disponível do principal porta-voz da filosofia perene. Para o efeito, recorremos ao preâmbulo da obra, onde podemos encontrar as sempre precisas, profícuas e criteriosamente seleccionadas palavras de William Stoddart.



Apesar de praticamente todos os livros de Frithjof Schuon estarem disponíveis em Inglês há muitos anos, dificilmente se poderá dizer que o seu nome seja familiar. Contudo, para pessoas com interesses especiais em campos tais como o da filosofia, da teologia, da religião comparada, e o da vida espiritual, muito se conhece sobre ele há muito tempo.

A presente biografia providencia, de uma forma aliciante e fascinante, um suporte detalhado sobre a sua vida, os seus escritos, e as suas ideias, mas eu resumirei aqui alguns dos aspectos essenciais de modo a dar imediatamente uma pista relativamente à natureza e ao carácter deste homem.

Frithjof Schoun (1907-1998) nasceu de pais alemães, na cidade suíça de Basileia. Os seus pais eram de origem Católica, mas não praticavam, e encaminharam o seu filho para uma escola Luterana. Durante a sua longa vida, Schuon manteve-se profundamente grato para com um seu estimado professor dos primeiros anos de escola pelas “maravilhosas lições de Bíblia”. Ao mesmo tempo, a criança Schuon ficou fascinada ao ler as “Mil e uma noites” e outros contos tradicionais do mundo inteiro. Ainda enquanto criança, estava já ciente de que o que admirava e aspirava saudosamente eram sobretudo as quatro qualidades universais: “o sagrado, o nobre, o belo e o grande”. Por volta dos 11 ou 12 anos de idade, inesperadamente, teve uma profunda e duradoura experiência espiritual quando viu e foi avassalado pelas três grandes estátuas budistas japonesas do Museu Etnológico de Basileia. Esta foi uma experiência fundamental, e ensinou-lhe como a sabedoria e a santidade são inseparáveis da beleza, e como elas podem ser conduzidas ao coração do homem através dos cumes da arte sagrada.

Depois da morte do seu pai em 1920, a sua mãe e os seus dois filhos mudaram-se para Mulhouse (Mülhausen), na Alsácia, que tinha sido anexada pela França em 1918. A morte do pai e a mudança para a Alsácia foram extremamente traumáticas para o jovem Schuon, mas foi em Mulhouse que frequentou a escola de um convento dirigido por freiras da aristocracia francesa, sob cuja influência o jovem adolescente se tornou apraz e voluntariosamente católico. Foi também nesta altura que aprendeu francês, a língua com que estaria destinado a escrever os seus muitos livros filosóficos.

No decurso da adolescência, Schuon continuaria a aspirar saudosamente pelas quatro qualidades universais acima mencionadas; e, mesmo sem ensinamentos explícitos, o jovem Schuon tinha então desenvolvido um profundo entendimento das realidades metafísicas, teológicas e espirituais. Mas os ensinamentos explícitos estavam também à mão. Lia avidamente as Escrituras sagradas, e especialmente o Bhagavad-Guitá, o qual foi para Schuon uma revelação em todo o sentido da palavra. Contudo, em toda a sua compreensão, inata e adquirida, ele estava só. Era incompreendido pela sua família e relacionados e, como resultante, sofria bastante. Continuou a amar o protestantismo de infância e o catolicismo da juventude mas, ao crescer para a idade adulta, perdeu o apego a elas, e viveu quase inteiramente na firme e implacável aura intelectual do Vedanta e do Platonismo.

Em 1924, aos 17 anos de idade, descobriu os livros do magistral filósofo francês René Guénon (1886-1951). Isto foi para Schuon uma imensa consolação. Não só encontrara nos escritos de Guénon uma confirmação plena da visão profunda que já detinha; encontrara também o vocabulário preciso da metafísica e a terminologia com que poderia vestir e exprimir os seus próprios entendimentos e percepções. Alguns anos mais tarde começaria uma correspondência prolífica, a qual prosseguiu até ao final da vida de Guénon.

Várias eventos e experiências significativos na vida de Schuon ocorreram no final da década de 1920 e início da de 1930, entre as quais o serviço militar, as suas primeiras viagens e, por fim, o seu encontro decisivo com o mestre sufi argelino Shaykh al-‘Alawī. Mas deixo os detalhes destes eventos cruciais e seminais para o biógrafo, que lida com eles copiosamente, e vou virar-me para o importante assunto que foi a longa e íntima associação intelectual com René Guénon.

René Guénon e Frithjof Schuon foram os originadores daquela que subsequentemente ficaria conhecida como a escola de sabedoria “perenialista” ou “tradicionalista”. Guénon foi o pioneiro e Schuon a concretização ou quintessência. Schuon indicava a analogia existente com outras duas escolas de sabedoria que possuíram uma dupla de originadores ou exponentes, nomeadamente aquelas associadas a Sócrates e Platão em Atenas no século V a.C., e a Jalâl ad-Dîn Rûmî e Shams ad-Dîn Tabrîzî na Turquia do século XIII.

Basicamente, o ponto de vista de Guénon e de Schuon é o da “filosofia perene”. Este termo tornou-se familiar aos leitores de língua inglesa através da publicação, em 1945, do livro de Aldous Huxley com este mesmo título. A ideia central da filosofia perene é a de que a Verdade Divina é uma, intemporal, e universal, e que as diferentes religiões são justamente diferentes linguagens que expressam aquela Verdade una. O símbolo mais comummente usado para transportar esta ideia é o da luz incolor e das muitas cores do espectro que se faz visível apenas quando a luz incolor é refractada. Na Renascença, o termo exprimia o reconhecimento do facto de que as filosofias de Pitágoras, Platão, Aristóteles, e Plotino, expunham indiscutivelmente as mesmas verdades que aquelas assentes no coração do Cristianismo. Subsequentemente, o significado do termo foi alargado de modo a cobrir a metafísica e o misticismo de todas as grandes religiões, especialmente do Hinduísmo, do Budismo e do Islão.

De facto, Huxley não foi o primeiro a apresentar esta ideia na era moderna. Já tinha sido aventada pelo santo bengali Ramakrishna (1836-1886), que estava intimamente familiarizado – e num nível mais profundo que Huxley –, não apenas com o Hinduísmo, mas também com o Cristianismo e com o Islão. Contudo, tendo em consideração o “exotismo” e infamiliaridade do grande Ramakrishna, e também as dúbias credenciais religiosas de um Huxley assaz superficial e sincretista, nem o termo nem a ideia da “filosofia perene” surgiram de uma posição favorável entre religiosos mais conservadores, cristãos ou outros.

Mas ocorreu um desenvolvimento que ninguém poderia antever. Na década de 1920, os livros do filósofo francês René Guénon começaram a aparecer. Estes livros expunham, no modo irrefutável de Platão, a unicidade da Verdade supra-formal e a multiplicidade das expressões formais que dela advêm. Assim, é possível perceber que a razão de ser das diferentes religiões não é que elas são “todas iguais” mas, precisamente, que elas são todas diferentes! A essência (respeitante a Deus, ao homem, e à salvação) é obviamente a mesma, mas as formas são significativamente diferentes. Cada religião – não apenas o Cristianismo – faz uma reivindicação absoluta, justamente pela razão de que é uma expressão do Absoluto; esta é a sua justificação e a sua sine qua non. Vermelho, amarelo e verde não são escuridão; ao contrário, cada uma delas é uma refracção da luz incolor. O princípio da unidade religiosa reside somente em Deus, e é um homem precipitado aquele que afirma que Deus Se expressou em apenas uma língua!

Os trabalhos de Guénon foram seguidos, da década de 1930 em diante, pela longa série de artigos e livros de Schuon, que foi quem levou a exposição da verdade intemporal e da sua qualidade salvífica a uma elevação incrível. A mensagem de Schuon foi realmente uma de verdade, beleza, e salvação.

É difícil disputar a profundidade e a genialidade deste dois autores que foram os originadores da corrente de intelectualidade e espiritualidade conhecida como a escola “perenialista” ou “tradicionalista”. Nada pode retirar a originalidade da visão de Guénon e de Schuon, mas é apropriado referir alguns dos grandes precursores a quem eles se referem frequentemente. Entre eles incluem-se Shankara (Hinduísmo), Platão (Grécia Antiga), Eckhart (Cristianismo Ocidental), e Ibn ‘Arabî (Islão). Porém, a visão perenialista não requer formulações exaustivas: pode-se resumir nas palavras de Cristo: “Conhecereis a Verdade, e a Verdade vos tornará livres”. Para a filosofia perene, isto é realmente tudo: verdade intemporal, e a sua qualidade libertadora.

Talvez devido à superficialidade de um Huxley do início do século XX e às fantasias nas ideias do movimento “nova era” do final do século XX, a escola Perenialista, com as suas teses universais e referências extra-cristãs, é ainda encarada com suspeição em alguns círculos. Na realidade, algumas pessoas tendem a confundir dois opostos: as ideias “nova era” e a filosofia perene. Outros, de novo, pensam que a filosofia perene está apenas relacionada com algo que é pejorativamente referido como “misticismo Oriental”, esquecendo que o próprio termo é de origem Cristã, e que foi primeiramente utilizado para formular o reconhecimento cristão das verdades eternas do platonismo. Estas verdades eternas são precisamente tudo o que é a filosofia perene.

A filosofia perene não é para néscios, e é precisamente isso que o homem moderno e sofisticado precisa de saber. A filosofia perene – que é o universalismo verdadeiro e o ecumenismo verdadeiro – é o reconhecimento da origem divina de cada religião. A essência de cada religião é pura verdade, e as várias formas religiosas vestem essa verdade com trajes de diferentes padrões e cores. “Na casa de meu Pai há muitas moradas.” Este ensinamento de Cristo aplica-se não só ao Céu, mas também à Terra. A função das várias religiões é expressar a verdade e oferecer uma via de salvação, de um modo ajustado aos diferentes segmentos e etnicidades da humanidade. Cada religião vem de Deus, e cada religião leva de volta a Deus. Mormente, cada religião compreende uma doutrina e um método, isto é dizer, é uma verdade iluminadora unida a um meio de salvação. Se assim não fosse, não seria uma questão de religião, mas de uma ideologia vazia humanamente criada (tal como o Freudismo, o Jungianismo, o Teilhardismo, e muitas outras) incapaz de salvar quem quer que seja.

* * *

Frithjof Schuon resumia por vezes a sua mensagem de uma forma extremamente sucinta. Por exemplo:

Todos os seus ensinamentos em quatro palavras: Verdade, Oração, Virtude, Beleza.

As três concomitâncias do Amor de Deus: Natureza Virgem, Arte Sagrada, Companhia Sagrada.

A doutrina de Shankara, o método de Honen, a primordialidade dos Índios Americanos.

Relativamente ao último destes sumários: Shankara foi o pináculo da sabedoria Hindu, um mestre da metafísica universal na forma do Advaita Vedanta (“não-dualidade”); Hônen, um mestre do Budismo (Amida) japonês, foi um preeminente exemplar da confiança total no poder salvador do Nome revelado; no que respeita aos grandes Chefes Índios, eles evocam as qualidades de dignidade, coragem, frugalidade, sacrifício, e proximidade à Natureza Virgem.

Em termos cristãos este ternário é: a doutrina de Mestre Eckhardt, o método de São Bernardino de Siena, e o amor da natureza (a primordialidade) de São Francisco de Assis.

Em termos islâmicos é: Tawhîd (a doutrina da unidade), Dhikr (a lembrança de Deus), e Fitra (natureza primordial ou o estado de hanîf).

Cada uma das várias expressões de cada uma das três componentes deste ternário (doutrina, método, e primordialidade) deriva do mesmo (respectivo) arquétipo. O primeiro exemplo acima mencionado (relativo a Shankara, Hônen, e aos Índios Americanos) – formulado pelo próprio Schuon – é particularmente apropriado, evocativo, e uma expressão memorável dos três arquétipos respectivos.

* * *

Em termos pessoais, Schuon foi uma combinação de majestade e humildade; de rigor e amor. Schuon era feito de objectividade e incorruptibilidade, unidos com compaixão. Nos muitos encontros durante um período de quase cinco décadas, as qualidades pessoais que constantemente me impressionavam eram a sua paciência infinita e generosidade infinita.

Que esta informativa e bem documentada biografia transmita com sucesso aos leitores o fenómeno precioso e único que foi Frithjof Schuon.

William Stoddart
Windsor, Ontario

domingo, 13 de junho de 2010

Palavras Trovão

Em suma, a vida é simples: estamos de pé ante Deus desde o nascimento até à morte: tudo se resume a esta tomada de consciência e a tirar daí as consequências. A consciência do Sumo Bem é o maior dos consolos, ela deveria manter-nos sempre em equilíbrio. Dela resulta, em primeiro lugar, a qualidade de resignação, a aceitação constante da vontade de Deus; esta virtude é difícil na medida em que queremos forçar o mundo a ser uma coisa distinta do que é, como por exemplo ser lógico. O complemento da resignação é a confiança; Deus é bom, e tudo está nas suas mãos. Nela está também a gratidão, pois todo o homem tem motivos para estar agradecido; há que recordar os bens que desfrutamos, e não o esquecermos porque nos falta qualquer coisa. Finalmente, há que fazer algo na vida, pois o homem é um ser activo; e a melhor das acções é aquela que tem Deus como objecto, e esta acção é a oração.


- extracto de uma carta escrita por Frithjof Schuon ao seu irmão, publicada em “Dossiers H – Frithjof Schuon” num texto de homenagem escrito por Jean-Louis Michon (Témoignage d’un disciple). Texto reproduzido na revista Sophia Perennis – Cuadernos de estudios tradicionales (José J. Olañeta, Editor) no número dedicado a Frithjof Schuon (1-4).

Dos picos do mundo

Trecho extraído de "Peaks and Lamas", de Marco Pallis, obra fundamental publicada pela primeira vez em 1939 e revista em 1949.

 
Em tempos antigos, Nako, tal como todo o Vale Spiti, pertencia ao reino de Gugge, o qual atingiu um extraordinário nível civilizacional. Desde a extinção desse reino tem ocorrido um contínuo declínio. As áreas cultivadas foram diminuindo, as populações minguaram e as areias do deserto vêm invadindo os povoados sobreviventes. Gugge foi a primeira província do Tibete a ser visitada por missionários europeus, em 1624. Um grupo de franciscanos portugueses estabeleceu uma missão na capital Tsaparang, a moderna Chabrang Dzong. Foram recebidos pelo rei com todas as honras que os Tibetanos naturalmente oferecem a todos os portadores de doutrinas desconhecidas. Os frades, por um momento, tiveram algumas razões para pensar que estariam prestes a produzir uma magnífica conversão; mas é também possível que o seu optimismo possa ter sido algo exagerado. Os Tibetanos estão sempre preparados para oferecer veneração a qualquer objecto sagrado e não confinam necessariamente a sua reverência a formas mais familiares. Eles não sentem que ao fazê-lo estão tacitamente a admitir a superioridade da tradição estrangeira ou a mostrar infidelidade para com a sua própria tradição. Eles tão naturalmente se curvariam perante o Crucifixo como o fariam aos pés de um Buda, enquanto os nossos conterrâneos, acostumados ao exclusivismo sectário da Europa, sentem que ao oferecer reverência numa igreja com princípios com os quais estão em desacordo estão a perdoar os seus erros.
 
Os Hindus têm um nome para essa secção da humanidade, a qual consideram espiritualmente imatura e onde não se prestam honras a nenhuma divindade excepto a sua. Os homens desse sector da humanidade são chamados Pashu (da raiz pash = limite) e supõe-se que estão cegos para a profunda Unidade da Divindade, apesar de dentro dos limites paroquiais que estabelecem para si próprios poderem ser merecedores de todo o respeito e louvor. Eles são descritos como homens de tendência muito forte para o obscurantismo, que exageram nas distinções de mera forma ou nome; isto torna-os muito propícios a falar com desrespeito das crenças e das práticas de outros. Bastante superiores aos Pashus são os homens da classe conhecida como Viras, ou os heróis. Eles são aqueles que reconhecem que, apesar de existirem muitos modos de pensamento, a realização metafísica, sempre que obtida através de uma identificação intuitiva e directa entre o conhecedor e o conhecido, é apenas uma. É isso que importa; é essa verdade que está na base de todo o simbolismo e que é o objecto de todo o ritual tradicional. O Próprio Buda aconselhou os Seus seguidores contra o corte abrupto das ofertas que estavam habituados a oferecer aos Brahmans; esse espírito prevalece até aos dias de hoje. Um jovem lama disse-me que eles são ensinados desde crianças a não falar desrespeitosamente de outras religiões e sim, pelo contrário, a tratá-las com o máximo de respeito. Com efeito, ao longo da fronteira entre a China e o Tibete, é dito ser convencional que em qualquer encontro com estranhos se pergunte ao outro, depois das primeiras saudações: “Senhor, e a que sublime tradição pertence?”