O texto apresentado de seguida é uma tradução de um pequeno trecho de um artigo publicado por René Guénon, intitulado "Esoterismo islâmico", o qual apareceu pela primeira vez na revista francesa Cahiers du Sud em 1947. A tradução apresentada foi efectuada a partir de uma tradução inglesa de Rob Parker, publicada no Sophia - The Journal of Traditional Studies, Vol. 5, Nº. 1 em 1999. Este trecho reveste-se de especial interesse para o estudo da Sophia Perennis, uma vez que apresenta de forma clara, inclusivamente no seio de uma das principais Tradições, a ideia da existência de vários caminhos para a Verdade Una.
Neste caso não é apresentado o autor, uma vez que, para além de sobejamente conhecido entre os interessados por estes temas, o mesmo será alvo de um texto a si dedicado, criando assim uma oportunidade, para quem ainda não conhece este sábio dos nossos tempos, o fazer de forma mais completa.
Neste caso não é apresentado o autor, uma vez que, para além de sobejamente conhecido entre os interessados por estes temas, o mesmo será alvo de um texto a si dedicado, criando assim uma oportunidade, para quem ainda não conhece este sábio dos nossos tempos, o fazer de forma mais completa.
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De todas as doutrinas tradicionais, a do Islão é talvez aquela onde a distinção entre as suas duas partes complementares – as quais podemos designar por exoterismo e esoterismo – é mais acentuada. Estas são, de acordo com a terminologia árabe, a Sharî’ah (literalmente significando a “estrada principal”), comum a todos, e Haqîqah (a “verdade” interior), reservada para a elite, não por virtude de qualquer decisão arbitrária, mas sim pela própria natureza das coisas, não possuindo todos a aptidão ou as “qualificações” necessárias para alcançar este conhecimento. As duas são frequentemente comparadas, por forma a exprimirem o seu respectivo carácter “exterior” ou “interior”, à casca e à semente, à pele exterior de um fruto e à sua polpa (al-qishr wa’l-lubb), ou ainda, à circunferência e ao seu centro. A Sharî’ah compreende tudo aquilo que nas línguas ocidentais é designado por “religioso”, nomeadamente o seu aspecto social e legislativo, o qual, no Islão, está essencialmente integrado na religião; pode-se ainda acrescentar que se trata acima de tudo de regras de acção, enquanto que a Haqîqah trata de conhecimento puro. No entanto, deve ser compreendido que é este conhecimento que fornece à própria Sharî’ah o seu significado mais profundo e a sua razão para existir, de tal forma que, apesar de nem todos os que participam na tradição tenham consciência deste aspecto, esta Haqîqah é na realidade a fonte principal da Sharî’ah, tal como o centro o é da circunferência.
Mas isto não é tudo: pode ainda ser dito que o esoterismo contém não só Haqîqah, mas também os meios para chegar a ela: sendo a totalidade destes meios designada por tarîqah, a “via” ou o “caminho” que conduz da Sharî’ah à Haqîqah.
Se recorrermos de novo à imagem simbólica da circunferência, a Tarîqah será representada pelos raios que partem em direcção ao seu centro; podemos então ver o seguinte: cada raio corresponde a diferentes pontos da circunferência, e todos estes raios, os quais são em número infinito, conduzem, da mesma forma, para o centro. Podemos dizer que estes raios são as Turuq (plural em árabe de Tarîqah) adaptadas aos vários seres situados em diferentes pontos da circunferência, de acordo com as suas naturezas individuais; por essa razão é dito que “os caminhos para Deus são tão numerosos quanto as almas dos homens” (al-turuqu ila’ Llahi ka-nufûsi banî Adam); assim, os “caminhos” são múltiplos, e por muito que possam parecer diferentes quando estão próximos dos seus pontos de partida, localizados na circunferência, o seu objectivo é um, pois só existe um único centro e uma Verdade. Rigorosamente falando, as diferenças iniciais são eliminadas, assim como a própria individualidade (al-inniyah, de ana, “eu”), o que significa que quando um estado superior é alcançado, a atribuição (sifât) de al-abd, ou características de criatura, a qual é uma limitação, desaparece (al-fanâ’ ou “extinção”) por forma a deixar apenas os atributos de Allah (al-baqâ’ ou “permanência”), sendo estes identificados na própria “personalidade” ou “essência” (al-dhât).
O esoterimo, considerando assim nele compreendido simultaneamente Tarîqah e Haqîqah, e sendo, desta forma, tanto um meio como um fim, é designado em árabe por Tasawwuf, o qual pode ser traduzido precisamente apenas como “iniciação".
Os Ocidentais recorrem à palavra “Sufismo” para designar especificamente o esoterismo Islâmico (enquanto que Tasawwuf pode ser aplicado para qualquer doutrina esotérica ou iniciática, independentemente da tradição à qual pertença); mas esta palavra, para além de ser apenas uma denominação convencional, apresenta ainda um considerável inconveniente: o sufixo “-ismo” quase que inevitavelmente evoca a ideia de uma doutrina pertencente a uma determinada escola, quando, na realidade, não é este o caso, sendo aqui as escolas apenas Turuq (caminhos), isto é, diferentes métodos, apesar de não terem qualquer diferença doutrinal, uma vez que “a doutrina da Unidade é Uma” (at-tawhîdu wâhidun).
Mas isto não é tudo: pode ainda ser dito que o esoterismo contém não só Haqîqah, mas também os meios para chegar a ela: sendo a totalidade destes meios designada por tarîqah, a “via” ou o “caminho” que conduz da Sharî’ah à Haqîqah.
Se recorrermos de novo à imagem simbólica da circunferência, a Tarîqah será representada pelos raios que partem em direcção ao seu centro; podemos então ver o seguinte: cada raio corresponde a diferentes pontos da circunferência, e todos estes raios, os quais são em número infinito, conduzem, da mesma forma, para o centro. Podemos dizer que estes raios são as Turuq (plural em árabe de Tarîqah) adaptadas aos vários seres situados em diferentes pontos da circunferência, de acordo com as suas naturezas individuais; por essa razão é dito que “os caminhos para Deus são tão numerosos quanto as almas dos homens” (al-turuqu ila’ Llahi ka-nufûsi banî Adam); assim, os “caminhos” são múltiplos, e por muito que possam parecer diferentes quando estão próximos dos seus pontos de partida, localizados na circunferência, o seu objectivo é um, pois só existe um único centro e uma Verdade. Rigorosamente falando, as diferenças iniciais são eliminadas, assim como a própria individualidade (al-inniyah, de ana, “eu”), o que significa que quando um estado superior é alcançado, a atribuição (sifât) de al-abd, ou características de criatura, a qual é uma limitação, desaparece (al-fanâ’ ou “extinção”) por forma a deixar apenas os atributos de Allah (al-baqâ’ ou “permanência”), sendo estes identificados na própria “personalidade” ou “essência” (al-dhât).
O esoterimo, considerando assim nele compreendido simultaneamente Tarîqah e Haqîqah, e sendo, desta forma, tanto um meio como um fim, é designado em árabe por Tasawwuf, o qual pode ser traduzido precisamente apenas como “iniciação".
Os Ocidentais recorrem à palavra “Sufismo” para designar especificamente o esoterismo Islâmico (enquanto que Tasawwuf pode ser aplicado para qualquer doutrina esotérica ou iniciática, independentemente da tradição à qual pertença); mas esta palavra, para além de ser apenas uma denominação convencional, apresenta ainda um considerável inconveniente: o sufixo “-ismo” quase que inevitavelmente evoca a ideia de uma doutrina pertencente a uma determinada escola, quando, na realidade, não é este o caso, sendo aqui as escolas apenas Turuq (caminhos), isto é, diferentes métodos, apesar de não terem qualquer diferença doutrinal, uma vez que “a doutrina da Unidade é Uma” (at-tawhîdu wâhidun).
"Trinta raios convergentes reúnem-se no meio, formando uma roda.
ResponderEliminarMas é do vazio do centro que depende o andamento do carro."
Tao Te King, XI
Todos os caminhos são a manifestação do não caminho, aquilo que o Vedanta denomina Anupaya... Um caminho pressupõe uma dualidade, e toda a dualidade é Maya, ilusão. Enquanto estamos na ilusão existem caminhos e objectivos a atingir: divisão entre Purusha e Prakriti. Mas quando acordamos percebemos que percorremos um longo labirinto em cujo centro sempre tivemos... Porque sinal reconhecemos o não caminho, a tradição primordial?
ResponderEliminarPois esse é o problema… ele não deixa rasto. Não há nada pelo qual o possamos reconhecer. Tem que ser visto directamente, abandonando toda a procura de signos e aproximações. Quando todos os nomes e formas forem abandonados o real és tu. Não necessitas de o procurar. A realidade, porém, é una, pluralidade e diversidade estão apenas no teatro da mente…
O mundo e a mente são estados do ser. O Supremo não é um estado. Atravessa todos os estados mas não é estado de coisa alguma. É inteiramente sem causa, independente, completo em si mesmo, para além do tempo e do espaço, mente e matéria.
Este Ātmā, que reside no coração, é mais pequeno que um grão de arroz, mais pequeno que um grão de cevada, mais pequeno que um grão de mostarda, mais pequeno que um grão de milhete, mais pequeno que o embrião do grão de milhete; este Ātmā, que reside no coração, é também maior do que a terra, maior do que a atmosfera, maior do que o céu, maior do que todos os mundos unidos. [Chhāndogya Ūpanishad]
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