sábado, 1 de dezembro de 2007

Provas de Deus?

A ideia para a publicação da presente tradução de um curto trecho de um artigo de James Cutsinger surgiu da leitura de uma recente publicação no blog Espectadores, no qual se travam frequentemente árduas batalhas com o ateísmo generalizado da nossa sociedade actual. Aqui fica uma pequena contribuição.

***

Finalmente, não, o ateísmo não é a posição mais inteligente. Pelo contrário, o ateísmo contradiz-se a si próprio. Pense-se no seu fundamento. O ateu afirma, “Deus não existe”. Ora, quem declara “isto não existe”, está a afirmar algo que um especialista em lógica classificaria como uma proposição negativa universal, seja qual for a coisa a que se esteja a referir. É negativa porque afirma “não” e nega algo, e é universal porque o plano que abrange é ilimitado. Se eu afirmasse, “não existe um ornitorrinco nesta capela”, eu estaria também a expressar uma afirmação negativa mas não universal, uma vez que o contexto estaria restrito a este edifício e poderíamos verificar a veracidade ou falsidade da minha afirmação atribuindo a alguém na sala a função de revistar minuciosamente o edifício, criando-se um exercício sistemático de caça ao ornitorrinco. Repare-se, no entanto, que quando um ateu afirma, “Deus não existe”, ele não está a dizer, “Não existe Deus nesta capela”, ou “Não existe Deus em Greenville”, ou “Não existe Deus na nossa galáxia”. Ele está a dizer, “Não existe Deus em qualquer parte de todo o universo, não existe Deus em qualquer parte da total extensão da realidade”. Mas ao afirmar tal coisa ele está a indicar que fez essa procura. Ele inspeccionou cuidadosamente todos os buracos e fendas da existência, tal como seria necessário inspeccionar todos os buracos e fendas do edifício para verificar que aí não existia qualquer ornitorrinco. No entanto, se ele procurou verdadeiramente todos os locais onde é possível procurar – se ele pode honestamente afirmar que verificou pessoalmente toda a extensão da realidade – deste facto resulta que ele terá de ser omnisciente. No entanto, a omnisciência é um atributo de Deus. Assim, ao afirmar que “Deus não existe”, um ateu está implicitamente a declarar ser Deus e, assim, inevitavelmente a contradizer-se.

Gostaria ainda de colocar mais umas questões antes de prosseguir. Ao longo da minha palestra referi algumas autoridades chave de algo que podemos chamar de “tecnologia” da vida espiritual, e pergunto-me se conhecem alguns deles. Por exemplo Patanjali? Não, tal como pensava. E Nicephorus o Solitário? Também não. Talvez Jalal al-Din Rumi? Estão cautelosamente a abanar afirmativamente a cabeça para este, imagino que o nome soe familiar, talvez pela popularidade da sua poesia. Mas será que estudaram os seus ensinamentos? Não. Bem, deixem-me perguntar o seguinte: já alguma vez tentaram se concentrar num só pensamento, e notaram que é impossível manter essa concentração por mais de dois ou três segundos? Sim, então trata-se de uma experiência familiar. Estão familiarizados com o facto de que a nossa consciência comum do dia a dia é altamente indisciplinada – na realidade, praticamente fora do nosso controlo.

Este é o meu ponto de vista: cada um destes três sábios que mencionei – o primeiro, Pantajali, o mais renomeado professor Hindu de yoga; o segundo, Nicephorus o Solitário, um mestre do Hesicasmo do Cristianismo Oriental; e o terceiro, Jalal al-Din Rumi, foi uma grande shaykh Sufi – cada um deles ensinou aos seus discípulos um método para adquirir o controlo da sua consciência, de forma a estabelecer um estado de quietude ou estabilidade que possa servir como um portal para níveis, modalidades ou dimensões de consciência normalmente velados ou adormecidos, dimensões a partir das quais e nas quais eles poderão experimentar directamente a Fonte Última de Todas as Coisas.

Vocês procuram evidências. Querem que alguém que vos “mostre” Deus. Muito bem, estes e outros mestres, quer do passado quer do presente, estão totalmente preparados para vos assistir nessa tarefa. Mas eles vão requerer aquilo que qualquer “cientista sério” como vós próprios reconhece como essencial quando se pretende testar uma qualquer teoria: nomeadamente, que se entre no laboratório, que neste caso é a mente, seguindo cuidadosamente os procedimentos e usando os equipamentos que estes cientistas espirituais oferecem. Até que isto tenha sido feito, peço desculpa, mas será um sinal de ignorância pensar que as afirmações das religiões do mundo não são verificáveis.

45 comentários:

  1. Dois erros de raciocínio no primeiro parágrafo:

    1) Assume-se que Deus será necessariamente omnisciente, omnipresente e omnipotente?

    Se não se assume isso, não faz sentido declarar que o facto de alguém se presumir omnisciente implica que seja Deus (visto que Deus não é necessariamente omnisciente).

    Se se assume isso, então dizer "Deus não existe nesta capaela" é o mesmo que dizer "Deus não existe" (pois Deus seria omnipresente, a existir), e assim não seria necessário conhecer todos os pontos do universo para concluir que Deus existe ao contrário do raciocínio


    2- O facto de Deus ser omnisciente, não implicaria que qualquer ser omnisciente seria Deus. Assim sendo, mesmo que quem afirmasse a inexistência de Deus alegasse omnisciência, isso não constituiria qualquer contradição.

    3- Não preciso de ser omnisciente para afirmar que a terra é redonda. Nunca poderei ter a certeza que assim o é (pode ser plana e estarmos todos a sofrer uma alucinação colectiva mundial), mas isso não impede que acredite que a terra é redonda (ligeiramente achatada, claro). Da mesma forma, é razo
    avel afirmar que Deus não existe sem alegar omnisciência, nem que mais não seja porque temos tão boas razões para assumir que não existe em nenhum lugar como em relação aos Duendes e Fadas. Não precisamos de alegar a omnisciência para considerar razoável que não existam.


    Enfim...

    Uma patetada pegada.

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  2. Caro João Vasco,

    Obrigado pelo seu comentário, embora lamente e não entenda o seu “tom”.

    Apesar de não pretender fazer deste espaço um local para trocas intermináveis e infrutíferas de argumentos, procurarei, de acordo com as minhas capacidades e conhecimento, responder às questões que venham a surgir.

    Em relação ao seu comentário, repare que o único atributo de Deus referido na argumentação é a omnisciência, e a afirmação em análise é a que “Deus não existe”, defendida pelos ateus.

    Deus é omnisciente (tal como omnipresente e omnipotente) por definição e não pode ser de outra forma. Não entender isto é não entender o conceito de Deus, o que inviabiliza à partida uma discussão frutífera sobre o assunto. Como é óbvio, no espaço de um comentário não é possível tentar abordar este tema, existindo várias recomendações de leitura neste blog.

    Finalmente, um comentário à questão da omnipresença de Deus. Se os ateus dissessem que “Deus não existe neste lugar” e a partir desta afirmação concluíssem que “Deus não existe em parte alguma”, estariam para isso a usar um atributo daquilo que estão a negar a existência, o que me parece ser absurdo.

    A verdade é que este tipo de ginástica mental não faz mais do que circundar as verdadeiras questões. Estas devem ser analisadas na sua essência, e julgo ser isso que James Cutsinger faz neste texto.

    Cumprimentos

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  3. «Deus é omnisciente (tal como omnipresente e omnipotente) por definição e não pode ser de outra forma.»

    Osiris, Baco, Odin, Zeus, etc...

    De acordo com os crentes respectivos, estes Deuses não são omnipotentes ou omniscientes.



    «Se os ateus dissessem que “Deus não existe neste lugar” e a partir desta afirmação concluíssem que “Deus não existe em parte alguma”, estariam para isso a usar um atributo daquilo que estão a negar a existência, o que me parece ser absurdo.»

    "Absurdo" é a palavra certa.

    Em lógica é comum fazer demonstrações por "redução ao absurdo". Assume-se que aquilo que pretendemos negar é verdadeiro, e derivamos daí uma série de conclusões. Quando estas conclusões são notoriamente falsas, ou contradizem a premissa inicial, é altura do "QED".
    Provou-se algo por "redução ao absurdo".
    É uma forma legítima e comum de provar proposições em termos estritamente lógicos.

    Assim se o ateu alegasse saber que "A-Deus não está na sala", poderia concluir que Deus não existe.

    O raciocínio é: "B-Deus existe." "C- Se existe é omnipesente." (de acordo com a sua opinião de acordo com a qual não podem existir deuses não omnipresentes). "D- Se existe e é omnipresente, está na sala". Ora D contraria A.
    Se souber que A é verdade, sei que B é falso.

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  4. Usou a palavra certa, Deuses e não Deus. Estes não são mais que atributos de Deus. A terminologia usada pelas civilizações que refere é que é bastante diferente das da tradição Abrâmica. Se estudar os grandes mestres dessas tradições verá que aí encontra o conceito de Deus como Realidade Última.

    De facto, a sua lógica está correcta. Resta-lhe apenas provar que Deus não está na sua sala.

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  5. Diálogo entre o pequeno peixe e sua mãe:
    - Mãe, explica-me a água de que tanto se fala e que não consigo encontrar.
    - Vai e tenta encontrar algo que não seja água.

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  6. «Usou a palavra certa, Deuses e não Deus.»

    Odin era um "deuses"?
    Zeus era um "deuses"?

    É possível acreditar num Deus que não seja omnisciente.



    «De facto, a sua lógica está correcta. Resta-lhe apenas provar que Deus não está na sua sala.»

    Eu não sou capaz de provar que não existem sereias e dragões, ou pessoas raptadas por ETs para experiências sexuais. Ainda assim, não acredito em nada disto, apesar dos vários relatos em contrário.

    No que respeita a Deus, não pretendia provar a sua inexistência.

    Não digo que não seja possível mostrar que a crença num Deus em concreto (por exemplo o judaico-cristão) encerra em si contradições que mostram que ou a nossa lógica é falsa ou esse deus não existe. Mas não era esse o meu objectivo.

    Apenas queria mostrar que o raciocínio exposto no texto é inválido, visto que não tenho de alegar omnisciência para poder afirmar que Deus não existe. Como demonstrei, e ao contrário do que alega o texto, "basta" saber que Deus não existe na sala, para saber que o Deus omnipresente não existe de todo.

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  7. Nuno:

    Realmente a água não é omnipresente.

    Havia um fluido que os físicos chegaram a acreditar que era omnipresente. Era ele que explicava como era possível que as ondas se propagassem em todo o lado. Chamavam-lhe éter.

    Depois descobriram que não existe.

    Agradeça a Michelson, Morris, e a Einstein, entre outros.

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  8. Caro João,

    É obviamente possível acreditar no que se quiser, o que não o torna verdadeiro.
    Odin era um entre vários deuses, tal como Zeus. Acredito que tenha percebido que era isso que queria dizer.
    Se pensar na tradição cristão, concerteza que não pensa que os crentes vêem os vários santos existentes como Deus. Melhor exemplo ainda é a tradição Hindu, com a sua multiplicidade de deuses. Se estudar a sua mais elevada manifestação, o Vedanta, verá que não só defende a existência de uma Realidade Última, Atma, como é uma das manifestações mais puras desta doutrina. Fiquemos por aqui.

    Quanto ao ter demonstrado que o raciocínio do texto é inválido. De forma alguma fico com essa opinião, apesar da questão que levanta ser pertinente.

    Na minha perspectiva, o autor deu esse exemplo procurando explicar o conceito de afirmação universal, a forma como lá se chega não me parece ser o mais importante, e o facto de partir da sala para o universal não deixa de no final ser uma afirmação universal.

    Por outro lado, diz que não consegue provar que Deus não existe num determinado local, no entanto, a utilização do seu raciocínio implica a apresentação dessa prova.

    Obviamente que as questões relacionadas com Deus só podem ser correctamente resolvidas recorrendo à metafísica. Mas enveredar por esse caminho com alguém que não aceita ou entende o conceito metafísico de Deus parece-me destinado ao fracasso.

    Mas vamos tentar sair daqui. Se procura verdadeiramente a verdade e o conhecimento, recomendo-lhe então fazer aquilo que eu por certo farei, tentar esclarecer esta questão “formal” directamente com o professor Cutsinger. Por certo ele terá analisado essa problemática e poderá prestar os devidos esclarecimentos. Quando e se obter a resposta terei muito gosto em partilhá-la neste espaço.

    Para concluir, pergunto-me se terá lido o texto até ao fim ou se parou assim que achou que tinha encontrado a sua falha. Na verdade o autor indica-nos o caminho para obter as provas de que Deus existe, caminho esse percorrido por grandes sábios e mestres ao longo de milénios de civilização humana. Julgo ser esse o aspecto mais importante a reter do texto.

    Cumprimentos

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  9. «É obviamente possível acreditar no que se quiser, o que não o torna verdadeiro.»

    Claro, tal como acreditar no Deus judaico-cristão.

    No entanto, é possível acreditar num deus que não é omnisciente, omnipresente e omnipotente, tal como os meus exemplos mostram com clareza.

    «e o facto de partir da sala para o universal não deixa de no final ser uma afirmação universal.»
    É uma afirmação universal, é certo. Mas surge por inferência lógica a partir de conhecimento parcial, e não por omnisciência.
    Este é apenas um dos três erros que encontrei no raciocínio exposto.


    «no entanto, a utilização do seu raciocínio implica a apresentação dessa prova.»
    Implica se eu pretender provar que Deus não existe.
    Mas não era essa a minha pretensão neste comentário.

    Apenas pretendia demonstrar que o raciocínio do texto, segundo o qual alegadamente se prova que a afirmação de que Deus não existe encerra em si uma contradição, está errado - e creio tê-lo feito.


    «Mas enveredar por esse caminho com alguém que não aceita ou entende o conceito metafísico de Deus parece-me destinado ao fracasso.»

    Afinal a questão é entender ou aceitar?

    Se for entender, como sabe que não entendo?

    Se for aceitar, é suposto só dialogar com quem já concorda consigo à partida? Se sim, já vi que estou a incomodar, e parto já de seguida...


    «Quando e se obter a resposta terei muito gosto em partilhá-la neste espaço»
    Obrigado


    «Para concluir, pergunto-me se terá lido o texto até ao fim ou se parou assim que achou que tinha encontrado a sua falha. Na verdade o autor indica-nos o caminho para obter as provas de que Deus existe, caminho esse percorrido por grandes sábios e mestres ao longo de milénios de civilização humana»

    Li até ao fim, mas continuei sem concordar.

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  10. Caro João,

    A parábola que introduzi na discussão, como qualquer parábola, tem uma carga simbólica que visava focar a discussão no ponto fulcral do assunto inicialmente lançado no post. Contudo, a par com os demais assuntos que foram sendo introduzidos e que foi desprezando por serem desviantes ao seu objectivo central de demonstração de erros de raciocínio, essa possibilidade de recentrar a discussão escapou-lhe.

    Mormente, embora agradeça a sua dedicação e afinco na análise dos erros encontrados no texto bem como a sua opinião neste espaço (deixe-me dizer-lhe que também me divertiria com o exercício banal de agarrar em frases soltas e de comentá-las sem outro fito que não o do divertimento em si mesmo desde que não existisse nada de mais interessante para fazer), deixe-me sugerir-lhe o exercício de ponderar novamente as questões aqui discutidas incluindo nessa ponderação o padrão de pensamento subjacente a este espaço.

    Finalmente, considere-se totalmente livre para desprezar a sugestão anterior.

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  11. O Vasco começa dizendo que "não faz sentido declarar que o facto de alguém se presumir omnisciente implica que seja Deus", e conclui ao final que "não precisamos de alegar a omnisciência para considerar razoável que não existam".

    Entre uma afirmação e outra, desenvolve uma argumentação cuja virtude única é ilustrar o brilho superficial da razão quando reduzida a um exercício meramente formal.

    Para afirmar categoricamente a existência de um objeto basta que dele se tenha tido alguma experiência. Para se ter por razoável a mera crença em sua existência, exige-se ainda menos: bastam indícios suficientes e a disposição para confiar nos testemunhos que afirmam tal existência. É esse o caso da redondez terrestre ou da existência de uma qualquer galáxia distante.

    Para afirmar de modo absoluto a inexistência de seja o que for, de Deus ou de certo Manoel Ribeiro da Costa, padeiro, a exigência é logicamente maior: exige-se que determinada consciência humana concreta seja capaz de conhecer a totalidade da existência, não apenas na sua extensão quantitativa, mas sobretudo nos seus diversos planos qualitativos. Em outras palavras: o conhecimento fundamenta a afirmação de existência, mas a ignorância não fundamenta a negação de existência. Jamais poderia, por exemplo, afirmar a inexistência das leis da Aritmética elementar, as quais sabemos sempre presentes, com base na alegação de que não pude encontrá-las embaixo da cama, ao lado do meu ornitorrinco de estimação.

    É por exigir a redução do conjunto total da existência ao conjunto das coisas conhecidamente existentes (quando não às existências empíricas, ou pior: às existências empíricas conhecidas por certo indivíduo) que a negação universal de existência é, além de sofisma banal (argumentum ad ignorantiam), um alegação - inconsciente, sem dúvida, mas nem por isso menos absurda - de onisciência.

    Mas se a afirmação da inexistência pressupõe a onisciência, tal não implica, como lembra o Vasco, que a onisciência seja requisito para que se afirme como razoável a crença na inexistência. Para que a crença na inexistência seja razoável basta a ignorância. Mas a ignorância, por motivos óbvios, não pode fundamentar nenhum conhecimento, e a afirmação de inexistência, lembre-se, pretende ser um conhecimento. Note-se aqui o fato de que o Vasco, ao defender a validade da confiança (ou, em outros termos, da fé) como fundamento razoável dos juízos de realidade, faça uso de uma afirmação positiva (a Terra é redonda), e não de uma negação.

    Há nisto certa ironia. É que, dizendo não ser a onisciência necessária à declaração da inexistência de Deus, não percebe o Vasco que Cutsinger não diz outra coisa, indo este ainda além: a onisciência não só é desnecessária como é de fato essencialmente incompatível, e lá onde a lógica exige a oninisciência, lá onde o sujeito alega uma qualquer ciência, não pode haver senão ignorância .

    É precisamente em vista desta negação fundada na ignorância (posição logicamente insustentável, embora subjetivamente explicável) que Cutsinger falará a seguir - em trecho jamais citado, e não por acaso, ao longo desta discussão - das tecnologias da vida espiritual.

    Que dizer então da afirmação de que a presunção de onisciência não implica a identificação com Deus, ou de que o conceito de Deus não implica a onisciência? Ora, ainda que se acatasse uma noção limitativa de Deus, segunda a qual os deuses não são oniscientes, nada mudaria o fato de que, ao afirmar a inexistência dos deuses, suponho ter em mim a onisciência que falta neles, e que portanto já sou algo melhor que os deuses, que além de burrinhos, coitados, sequer existem. Eu, entretanto, suponho existir, e suponho além disso possuir uma qualidade com que os deuses não sonham sequer conceitualmente. E sendo, destarte, melhor que os deuses num mundo onde os deuses afinal não existem, eu não seria senão - ó Deus! - Deus mesmo. À parte este argumento de ocasião, há evidentemente razões mais profundas.

    Primeiro é preciso saber que o Ser de Deus não pertence a nenhuma categoria particular de seres, os quais se podem diferenciar pela enumeração das respectivas qualidades, propriedades ou acidentes. Digo que "minha camisa é a azul" porque há objetos chamados camisas, e nem todas são minhas, como nem todas são azuis. "Minha" e "azul" são propriedades que identificam certa camisa particular sem nada dizer da essência do objeto considerado, a qual essência designa-se sob a categoria "camisa". De onde decorre que, se digo "azul", nem por isso posso concluir "camisa", e muito menos "minha".

    O termo "Deus" não designa um gênero ou espécie de seres, e por isso mesmo as qualidades que lhe são atribuídas não são qualidades em sentido próprio, ou seja, não são propriedades anexas acidentalmente à essência, a exemplo do azul da camisa, mas, muito ao contrário, a definição mesma da essência. E como a atribuição de qualidade tem, no caso de Deus, estatuto de definição, decorre daí necessariamente que, se Deus é onisciente, então Onisciente é Deus.

    O fato de que as qualidades de Deus sejam, na verdade, Deus mesmo é o que permite ao politeísmo designar cada uma dessas qualidades, consideradas individualmente, como deuses, e isso sem jamais atribuir a nenhum dos deuses a totalidade das qualidades exclusivas de Deus. Nisto reduz-se a aparente contradição entre as conceções pagã e cristã de Deus.

    Mas como se chega a compreender que tais qualidades coexistam de modo necessário e exclusivo num ser chamado Deus? Resposta: pelo estudo das imposições metafísicas inerentes a tais propriedades. Além de onisciente, onipresente e onipotente, Deus é também absoluto, infinito e perfeito. Considere o conceito metafísico de infinito e perceba como é incompatível com a multiplicidade. Há necessariamente um só infinito, pois, se houvesse dois, ou um conteria o outro, e neste caso seriam o mesmo, ou se excluiriam mutuamente e, portanto, não seriam infinitos. Considerando ainda a infinitude, perceba como ela exige a presença total e em grau máximo das demais perfeições, dentre as quais a perfeição de existir. Disso decorre que as qualidades divinas, exigindo-se mutuamente, não são senão um só e mesma qualidade, chamada Deus. E é por isso que, desmembradas as qualidades divinas em diversos deuses, nenhum destes deuses chega a possuir nenguma qualidade particular de modo absoluto, pois tê-la de modo absoluto seria possuir também as demais. Enfim, só existem deuses porque existe Deus. E aqui voltamos ao problema da existência de Deus.

    A verdadeira deficiência do argumento de Cutsinger está em não apontar para o fato de que - se Deus é infinito e Infinito é Deus - Deus evidentemente não existe do mesmo modo que o ornitorrinco na capela (aliás, a frase "existe um ornitorrinco na capela" não é propriamente uma afirmação direta de existência, mas sim de presença, a qual apenas supõe a existência) ou que as leis da Aritmética. E isso permite que se confunda o conceito "existência" com a mera existência corpórea, confusão inplicita no argumento segundo o qual Deus não existe porque não existe nesta capela.

    Um abraço a todos.

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  12. Fernando:

    Confesso que não li a sua mensagem até ao fim.

    Comecei a lê-la atentamente e cedo encontrei dois pontos que me pareceram erros crassos:

    a) o Fernando cita-me afirmando "não precisamos de alegar a omnisciência para considerar razoável que não existam", e depois contrapõe a isto a sua alegação de que "Para afirmar de modo absoluto a inexistência de seja o que for, [...] a exigência é logicamente maior".
    Ou se trata de um sofisma, ou de uma falácia formal.
    Considerar razoável que não exista algo não é o mesmo que afirmar em absoluto a sua inexistência. Isto assim a nu parece bastante óbvio.
    Só se torna menos evidente pela forma como o raciocíncio foi contruído: é contraposta à minha citação a seguinte afirmação: "Para afirmar categoricamente a existência de um objeto basta que dele se tenha tido alguma experiência"
    Sucede-se que a negação de "é razoável afirmar que A não existe" não(!) é "é razoável afirmar que A existe", mas sim "não é razoável afirmar que A não existe". Parecem frases semelhantes, mas são frases diferentes.
    O Fernando contrapõe à minha afirmação uma afirmação diferente da sua negação, e depois equivale a negação desta à minha afirmação inicial. É assim que faz equivaler à minha afirmação uma que não tem nada a ver com esta.
    Depois escreve um texto eneorme a refutar uma afirmação que nunca fiz. Nem preciso de ler a sua argumentação toda. Nas primeiras linhas vejo que está a negar algo que nunca aqui foi escrito.

    b) «Em outras palavras: o conhecimento fundamenta a afirmação de existência, mas a ignorância não fundamenta a negação de existência.»

    O que é que fundamenta que alguém diga que é mais razoável que não existam sereias ou o Pai Natal?
    Poderemos dar várias razões, mas não precisamos de alegar que somos omniscientes ou omnipresentes.
    Mesmo sem essas características a nossa alegação é razoável.
    Ora era precisamente esta a minha alegação.

    Por estas razões não passei do 6º parágrafo.
    Este texto pretende refutar - não sei se eficazmente - uma afirmação que nunca fiz.

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  13. Caro Vasco

    Tua leitura não apenas foi incompleta como foi também apressada. Fica evidente, para quem leia atentamente, que não pretendi tomar a negação razoável pela negação absoluta, refutando aquela nos termos desta. Ao contrário, o início do texto estabelece, a título de premissa do raciocínio que se segue a ele, a distinção entre: o que pode afirmar com certeza, o que se pode negar com certeza, o que se pode afirmar com razoável certeza e o que se pode negar com certeza igualmente razoável. Julguei tal distinção necessária porque, ao pretender refutar o argumento de Cutsinger nos termos da negação razoável, esqueces de que o argumento tem em vista precisamente a negação absoluta. Ora, é o caráter absoluto da negação que requer a onisciência, a qual pretendias negar nos termos da negação razoável. Eis aí unidas, na forma da citação que encabeça o texto, as duas pontas da tua argumentação: a negação da onisciência e a afirmação da negação razoável.

    Mais abaixo, dizes:
    "Sucede-se que a negação de 'é razoável afirmar que A não existe' não(!) é 'é razoável afirmar que A existe', mas sim 'não é razoável afirmar que A não existe'."

    Sucede igualmente que a negação aí expressa ("não é razoável afirmar que A não exista") é formulada no 6º parágrafo. Até aquele ponto havia estabelecido que a negação absoluta correspondia: a uma afirmação implícita de onisciência, ou, em outras palavras, a uma identificação entre o existente e conhecido. No 6º parágrafo, precisamente a apartir do trecho "Para que a crença na inexistência seja razoável", estou tratando diretamente do cárater mais ou menos razoável das afirmações do tipo "é razoável afirmar que A não existe". E o que lá dizia era que tal afirmativa não é de modo algum razoável na medida em que se fundamenta na sua própria ausência de fundamento. Aqui é a limitação mesma do conhecimento, não mais a contradição da onisciência, que exclui da afirmativa todo o fundamento.

    Mas perguntas a seguir: "o que é que fundamenta que alguém diga que é mais razoável que não existam sereias ou o Pai Natal"?

    Em outras palavras: embora compreenda que a negação seja, no limite, sem fundamento, por que sinto e entendo que negar a existência de Papai Noel e das sereias é ainda assim mais razoável do que afirmar sua existência?

    A resposta é simples. Dizer que algo é razoável significa dizê-lo possível. E ser possível significa, primeiro, não ser autocontraditório e, segundo, não contradizer, quer lógica, quer materialmente, as verdades conhecidas. Um quadrado redondo não seria razoável porque autocontraditório. Um poço sem fundo não seria razoável porque incompatível com as condições reais de existência dos poços. Uma vaca voadora soaria absurdo não por contradizer o conceito de vaca, ou por contrariar as condições reais de um mundo onde vacas existem, mas por ferir nossa expectativa habitual a respeito do comportamento das vacas.

    Ora, só a autocontradição, ou a contradição intrínseca, é um critério de fato válido, pois autocontradição significa impossibilidade. Quanto ao juízo baseado na contradição extrínseca, lógica ou material, este será tanto mais válido quanto mais ancorado no conhecimento real do objeto e do mundo no qual o objeto existe ou inexiste.

    Assim, a inexistência das sereias parece mais compatível com as condições reais do mundo tal como o conhecemos, mas sua existência nem por isso será impossível, quer lógica, quer materialmente.

    A existência de Deus, julgada desde o conhecimento (não da ignorância) efetivo da consistência ontológica do mundo onde vivemos, é não apenas possível mas absolutamente necessária. No entanto, as condições para esse juízo não são jamais independentes desse conhecimento. E é disso que Cutsinger está falando.

    O argumento do Cutsinger tem em vista apontar para a possibilidade desse conhecimento necessário, desmontando as resistências fundadas na ignorância, na confusão entre o existente e o conhecido e, por fim, na inércia mental de julgar o conjunto do possível com base em expectativas meramente empíricas.

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  14. «Julguei tal distinção necessária porque, ao pretender refutar o argumento de Cutsinger nos termos da negação razoável, esqueces de que o argumento tem em vista precisamente a negação absoluta.»

    Isto parece-me completamente falso. O texto refere-se à atitude do ateu que afirma "Deus não existe". Acontece que, se alguns ateus fazem a "negação absoluta", e outros fazem a "negação razoável"; para mostrar que a atitude de qualquer ateu implica a omnisciência terá de se mostrar que até a negação razoável implica omnisciência (e portanto ainda mais a negação absoluta).

    Assim sendo, o argumento a ter em vista uma dessas negações, só poderia ter validade se tivesse em vista a negação razoável. De outra forma deixaria de fora a atitude de grande parte dos ateus que afirmam "Deus não existe" da mesma forma que afirmam "as sereias não existem".

    Eu creio que o argumento estaria errado mesmo que tivesse em vista apenas a negação absoluta, como é afirmado; mas, assumindo que não é esse o caso, os erros do raciocínio são ainda mais visíveis.


    «A resposta é simples. Dizer que algo é razoável significa dizê-lo possível. E ser possível significa, primeiro, não ser autocontraditório e, segundo, não contradizer, quer lógica, quer materialmente, as verdades conhecidas. Um quadrado redondo não seria razoável porque autocontraditório. Um poço sem fundo não seria razoável porque incompatível com as condições reais de existência dos poços. Uma vaca voadora soaria absurdo não por contradizer o conceito de vaca, ou por contrariar as condições reais de um mundo onde vacas existem, mas por ferir nossa expectativa habitual a respeito do comportamento das vacas.»

    Este raciocínio não está correcto.

    Primeiro começa-se por afirmar que não existe distinção entre razoável e possível - creio que foi uma afirmação apressada. A existência de diferença entre os termos é evidente, mas não pretendo deter-me neste ponto.

    De seguita, estabelece-se um raciocínio do qual decorreria que algo que fere a nossa espectativa habitual (vacas que voam, no exemplo) é pouco razoável e portanto impossível.
    De acordo com esta lógica a teoria da relatividade de Einstein também não pode estar certa, pois postula que a passagem do tempo depende da velocidade do referencial, o que fere a espectativa habitual.
    De acordo com esta lógica, as espectivas habituais nunca erram. Se algo nos parece estranho, é impossível.
    O disparate que constitui tal conclusão é evidente. Mas esta conclusão disparatada decorre do raciocínio exposto, pelo que este não está correcto.

    «O argumento do Cutsinger tem em vista apontar para a possibilidade desse conhecimento necessário, desmontando as resistências fundadas na ignorância, na confusão entre o existente e o conhecido e, por fim, na inércia mental de julgar o conjunto do possível com base em expectativas meramente empíricas.»

    O possível não deve ser julgado dessa forma (através do empírico), estamos de acordo.
    Já o mais plausível não pode ser determinado de outra forma que não a do recurso a modelos postos à prova pela experiêcia empírica (ciência).
    Ou seja: as evidências empíricas não tornam impossível (em última análise) a existência de sereias. Mas são elas que justificam a razoabilidade da afirmação "sereias não existem".

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  15. Tratemos por pontos.


    1. O texto, como você disse, "refere-se à atitude do ateu que afirma 'Deus não existe'." Ora, independente do grau de convicção subjetiva com que o ateu pronuncie tal frase, o fato é que ela abarca e refere-se ao conjunto inteiro da existência e, portanto, pressupõe o conhecimento igualmente completo deste fenômeno chamado existência.

    A outra afirmação, inteiramente distinta, de que "é razoável crer que Deus não exista", esta sim não exige a onisciência, mas apenas porque nada diz a respeito da existência mesma, contentando-se com defender a razoabilidade daquele juízo. Mas a mesma crença em tal razoabilidade, não podendo fundamentar-se na incoerência intrínseca do conceito de Deus, nem em qualquer inconsistência material ou formal entre a existência de Deus e a dos demais existentes, tem por suporte apenas e tão-somente a imagem que o indivíduo, à luz - ou à treva - da sua experiência pessoal, formou do conjunto da possibilidade. A natureza subjetiva de tal critério o impede de conferir fundamento a qualquer afirmação universal.

    Trocando em miúdos: o ateu afirma "Deus não existe" porque tal considera tal negação razoável. Mais ou menos razoável, nem por isso deixa de ser uma negação absoluta, em favor da qual o ateu só tem a alegar sua própria expectativa a respeito do conjunto da possibilidade. Se o mesmo ateu, alterando a afirmaçao inicial, dissesse apenas "é razoável crer que Deus não existe", não teria ele nenhum fundamento a oferecer senão as mesmas expectativas anteriores. A primeira frase nega a existência, a segunda fundamenta a negação, mas o fundamento de ambas é o mesmo, de modo que negar a segunda é negar a primeira e vice-versa.


    2. "Primeiro começa-se por afirmar que não existe distinção entre razoável e possível - creio que foi uma afirmação apressada".

    Certíssimo. Mas a pressa aí é toda vossa. Minha afirmação foi "dizer que algo é razoável significa dizê-lo possível". Ou seja: o que quer que seja razoável, será necessariamente possível, assim como todo copo de coca-cola será sempre um copo de refrigerante, sem prejuízo da existência de outras marcas. A distinção entre o possível e o razoável fica bastante clara no trecho em que falo da contradição intrínseca, contradição extrínseca e das expectativas habituais.

    3. "De seguita, estabelece-se um raciocínio do qual decorreria que algo que fere a nossa espectativa habitual (vacas que voam, no exemplo) é pouco razoável e portanto impossível".

    Que há com você, rapaz? Não me faço entender? Eu disse explicitamente que "só a autocontradição, ou a contradição intrínseca, é um critério de fato válido, pois autocontradição significa impossibilidade". Os demais critérios (contradição extrínseca e expectativas habituais) não são válidos precisamente porque, não excluindo in limine uma hipótese do horizonte do possível, não podem igualmente negar sua razoabilidade. Ou a podem negar de modo apenas precário, na medida do conhecimento maior ou menor.

    4. "Já o mais plausível não pode ser determinado de outra forma que não a do recurso a modelos postos à prova pela experiêcia empírica"

    Eis aí uma afirmativa razoável. A experiência empírica sofre, contudo, de uma grave e incontornável limitação: o homem empírico. É que o homem empírico nunca é suficientemente empírico. Há sempre um resíduo dogmático manchando-lhe a ortodoxia. Se é dito ao homem empírico que a experiência empírica de Deus exige jejum, estudo e oração, assim como a experiência laboratorial exige pipeta e tubo de ensaio, ele já torce o nariz e zás, saca da manga alguma objeção apriorística e nada empírica. Ou então se enreda em argumentos que jamais compreendeu, enquanto o cristão repete, empírico e paciente: mas você já fez a experiência?

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  16. 1. Se o texto toma a afirmação "Deus não existe" por, "em última análise não existe qualquer possibilidade de que Deus exista", ao invés de "tanto quanto sabemos é razoável afirmar que Deus não existe", então todas as objecções que coloca são válidas da mesma forma para o Pai Natal.

    Ou seja: se a argumentação do texto estivesse correcta, dizer "o Pai Natal não existe" é algo que só seria defensável se a pessoa fosse omnisciente. Ora sabemos que isto é um absurdo.

    Qual é então o erro no raciocínio? Entre muitos outros, o erro está logo na assunção inicial.
    Quando dizemos "não exitem sereias", "não existem Dragões", "não existe o Pai Natal", não estamos a declarar a certeza absoluta nestas não-existências.
    Eu digo que não existem sereias, mas se vir uma mudo de ideias.
    Simplesmente, face ao que sei, a probabilidade de ver uma sereia parece-me suficientemente baixa para que a afirmação "tanto quanto sei é razoável assumir que as sereias não existem" possa ser resumida em "sereias não existem". É uma questão de comunicação.

    E se isto é verdade para sereias e dragões (ou Pai Natal e Duendes) também é verdade para Deus. Quando alguém diz "Deus não existe", está a fazer uma afirmação análoga à que é feita quando diz "Dragões não existem". Não há qualquer exigência de omnisciência.

    O problema nas questões 2 e 3 decorerre do problema na questão 1, pelo que não vou comentar esta.

    Também não vou comentar a questão 4, porque isso iria começar uma discussão completamente nova, afastada das questões que levantei no meu comentário inicial. A saber, as várias falácias do texto. Note-se que estamos a comentar apenas uma entre as várias que apontei.

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  17. Caro Vasco

    Seguem abaixo, numeradas, cada um das questões.


    1. Se o texto toma a afirmação "Deus não existe" por, "em última análise não existe qualquer possibilidade de que Deus exista", ao invés de "tanto quanto sabemos é razoável afirmar que Deus não existe", então todas as objecções que coloca são válidas da mesma forma para o Pai Natal.

    R. A afirmação "Deus não existe" só pode ser tomada no sentido exato e preciso que ela tem, e não em outro. Mais não fosse, pela simples razão de que negar a existência e negar a possibilidade da existência são coisas distintas. A investigação da possibilidade se pode dar a priori, a da existência efetiva, não.

    E sim, é verdade que os parâmetros de validade da afirmação "X não existe" são a princípio os mesmos para qualquer "X" - Deus, Pai Natal ou sereias. Mas isso significa apenas que a validade concreta do juízo de existência dependerá, em cada caso, do conhecimento efetivo que o emissor possua daquilo cuja existência ele nega. Assim, idênticos no que diz respeito à pertença comum a um conjunto chamado existência, cada existente estabelece por sua própria natureza os parâmetros de sua verificabilidade. Ou mais explicitamente: não se pode julgar a existência sem conhecimento suficiente da essência. Tal exclui do mero desconhecimento qualquer pretensão de validade, pois, se conhecer algo é conhecê-lo como existente, desconhecê-lo não é conhecê-lo como inexistente.

    2. Ou seja: se a argumentação do texto estivesse correcta, dizer "o Pai Natal não existe" é algo que só seria defensável se a pessoa fosse omnisciente.

    R. Errado. Essa objeção só seria válida se se considerasse 'Pai Natal' como um conceito vazio a respeito do qual nada sei. Ora, se o Pai Natal existe, existe fisicamente, sem o que não poderia levar presentes às crianças ou residir no Pólo Norte. Basta, para verificar a probabilidade de sua existência, sondar os recantos da realidade onde, segundo sua essência, ele deve existir. Por outro lado, onde seria preciso não encontrar Deus a fim de poder afirmar Sua inexistência? Não basta não encontrá-lo na capela. Porque as leis da física também não estão na capela, e elas, no entanto, existem e são igualmente onipresentes. O fato é que você não sabe o que o termo 'existência' significa quando aplicado a Deus. E é por isso que não se pode negar Sua existência do mesmo modo como se nega a existência do Pai Natal.

    3. Quando dizemos "não exitem sereias", "não existem Dragões", "não existe o Pai Natal", não estamos a declarar a certeza absoluta nestas não-existências.

    R. Mas estão a declarar a inexistência absoluta, da qual, já sabemos, não podem estar absolutamente certos, pois não são oniscientes.

    4. "tanto quanto sei é razoável assumir que as sereias não existem" possa ser resumida em "sereias não existem". É uma questão de comunicação.

    R. Não é mera questão de comunicação. A natureza de cada afirmação é diversa. Mas, como estou a ver, o homem lógico, a exemplo de seu colega, o homem empírico, só consente em ser lógico quando obviamente lhe interessa.

    5. E se isto é verdade para sereias e dragões (ou Pai Natal e Duendes) também é verdade para Deus. Quando alguém diz "Deus não existe", está a fazer uma afirmação análoga à que é feita quando diz "Dragões não existem". Não há qualquer exigência de omnisciência.


    R. A analogia entre as afirmações "dragões não existem" e "Deus não existe" é meramente verbal. "Deus" e "dragões" são formas de existência inteiramente distintas. Ora, quem não saiba determinar os limites destas existências pelo conhecimento das essências terá de empregar o termo "existência" em sentido extensivo e total, e essa a razão por que a afirmação exige a onisciência. A afirmação, assim, exige a onisciência. Quem não a exige de si é o ateu, que confunde suas motivações pessoais para a descrença com as condições de existência daquilo que nega. Posso afirmar, como maior ou menor convicção, que a Inglaterra não existe, o que não posso é fazer como que sua existência seja tão hesitante quanto a minha convicção subjetiva, de modo a medir a razoabilidade daquela pela intensidade desta.

    Mais ainda, se a objeção de onisciência vale, abstratamente, para todo X, tal validade não é a mesma se considerada materialmente. Como foi dito acima e já no meu primeiro post, há muitos modos de existir. Um ser empírico como o Pai Natal não deve ter sua existência investigada no plano das leis físicas ou no da necessidade metafísica, assim como não devo procurar as leis da aritmética embaixo da cama. Ora, se há uma virtude no argumento de Cutsinger, é precisamente a de, ao formular a objeção de onisciência, obrigar o ateu a declarar as condições de falseabilidade em vista das quais ele nega a existência de Deus. E aí o ateu terá de reconhecer que nada sabe daquilo que nega, e que no seu juízo baseia-se num grumo confuso de vagas impressões.

    É muito significativo que você trate 'Deus' e 'Pai Natal' como formas de existência equivalentes, e não apenas como termos logicamente intercambiáveis dentro de um raciocínio. É crença de todo ateu que noções como 'Deus', 'imortalidade', 'infinitude' pertencem a uma espécie de remota infância da humanidade. A ironia é que aqueles que, nesses termos, negam Deus, o fazem precisamente porque não abandonaram aquela noção infantil. Eles negam a existência do Deus das fábulas e pretendem que a negação seja válida para todo e qualquer Deus.

    Caro Vasco, se você se dedicar a estudar o assunto seriamente, descobrirá que, em sentido metafísica e teologicamente rigoroso, afirmar a existência de Deus pode ser tão blasfemo quanto negá-la.

    6. Note-se que estamos a comentar apenas uma entre as várias que apontei.

    Não seja por isso. No primeiro post, que você ignorou, comento cada uma das alegadas falácias.

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  18. 2. Essa objecção não não colhe. Pegando no exemplo, se formos ao polo norte e não virmos lá o Pai Natal, podemos ter visto mal. E o Pai Natal não deixa de ser o Pai Natal se afinal estiver noutro lugar, desde que mantenha o essencial do conceito.

    1,3,4,5 - Em última análise é impossível negar, em absoluto, a existência do Pai Natal, de Dragões, de Sereias, de Duendes.

    Mas o problema é maior. É impossível fazer qualquer negação absoluta a respeito da existência ou não existência empírica de algo. Nós nem sequer podemos saber se a terra existe, pois podemos ser personagens do sonho de um marciano, ou mesmo uma simulação computacional como no filme "matrix". Em última análise, não podemos declarar a existência ou inexistência de NADA em absoluto.

    Obviamente isto não faz sentido nenhum para comunicarmos algo. Se alguém pergunta: "há salada no frigorífico?", nós não vamos responder "em última análise, não sei". Respondemos "sim" se, face ao que sabemos, existem excelentes razões para acreditar que a salada está lá.

    É assim que agimos em todos estes processos comunicativos. Dizemos que foi "provado" que A matou B, quando em última análise nem uma confissão, um filme e 50 testemunhas seriam suficientes. E dizemos que não existem Dragões.

    Mas quando se analisa a verdade de uma proposição, temos de conhecer o contexto.

    Se eu disser "são 22h", esta proposição poderia ser verdadeira em Portugal e falsa nos EUA. Sabemos que uma prposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo. Isto quer dizer que não podemos desligar a proposição do seu contexto.

    Existem ateus que negam Deus em absoluto. Já vi argumentos interessantes que mostram que Deus é uma impossibilidade lógica.

    Eu rejeito-os porque podem sempre existir definições de Deus que prescindam das características necessárias para provar a contradição (perfeição, omnipotência, etc...) segundo esses argumentos. O conceito de Deus passa bem sem elas (basta pensarmos em Seth), por muito populares que estas sejam.

    Mas a grande maioria dos ateus diz "Deus não existe" da mesma forma que diz "Dragões não existem". Ou seja: admitem que mudariam de ideias se vissem um destes seres, por exemplo.
    Assim sendo, o contexto desta afirmação é o mesmo contexto usado para qualquer afirmação de existência: "face ao que sabemos, é razoável assumir que...". Assumir que a salada está no frigorífico, assumir que a terra é redonda, assumir que as sereias são ficção.
    Não dizemos que alguém se presume omnisciente por afirmar que a terra é redonda. E no entanto, em última análise ele não tem nenhuma forma de ter a certeza ABSOLUTA de que não é plana.


    6.
    Revi a primeira mensagem que me escreveu, e não encontrei argumentação para refutar o meu argumento 1) e 2). Parece-me que tentou refutar apenas o argumento 3). Foi a este que tenho estado a responder.

    Mas existem mais falácias no texto que não assinalei. Considerei que a discussão destas já daria pano para mangas... e foi o caso, pelos vistos.

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  19. 1. Pegando no exemplo, se formos ao polo norte e não virmos lá o Pai Natal, podemos ter visto mal. E o Pai Natal não deixa de ser o Pai Natal se afinal estiver noutro lugar, desde que mantenha o essencial do conceito.

    R. Perfeito, Vasco. Mas isto apenas ilustra o que já vinha dizendo: desconhecer a existência não é conhecer a inexistência, sobretudo quando nada se sabe da essência. Faço apenas um reparo: a identidade do Pai Natal, em conformidade com sua essência, não é uma identidade conceitual, mas a identidade de um indivíduo concreto. Pois foi esse indivíduo concreto, e não o seu conceito, que, no exemplo citado, saiu de casa logo antes de chegarmos.

    2. Mas o problema é maior. É impossível fazer qualquer negação absoluta a respeito da existência ou não existência empírica de algo.

    R. Claro que é possível. Ou não sabes que existes?

    Se o testemunho empírico fosse asim tão movediço e incerto, não teríamos podido sequer chegar ao Pólo Norte, tampouco saber que lá não vimos o Pai Natal. Não saberíamos sequer a diferença entre não ver o Pai Natal no Pólo Norte e jamais ter estado no Pólo Norte.

    Mas veja: se a verificação empírica é possível, isso não significa seja sempre possível para todo e qualquer indivíduo em toda e qualquer circunstância. Aqui é preciso não confundir as limitações de uma experiência empírica particular de um indivíduo igualmente particular com as limitações do conhecimento empírico como tal. A experiência empírica é limitada porque só nos dá acesso ao conhecimento daquilo que de algum modo existe ou se manifesta empiricamente. Já o indivíduo humano, ele próprio uma forma de existência empírica, é limitado na medida em que só é capaz de testemunhar algumas poucas realidades empíricas de cada vez. E como a existência empírica é um fenômeno virtualmente ilimitado, nenhum indivíduo humano poderá de antemão excluir da existência aquilo que alega desconhecer. Na mesma medida, não pode negar a existência daquilo que verdadeiramente conhece. Ora, é justamente a certeza derivada do testemunho empírico que empresta à ausência dele certo poder persuasivo subjetivo, base da crença na inexistência do desconhecido. Só é razoável descrer da existência do que se desconhece porque é absurdo negar o que se sabe perfeitamente.

    3. Nós nem sequer podemos saber se a terra existe

    R.Claro que é possível. A Terra é precisamente o lugar onde estamos, e não é preciso ver-se do alto ou da lua para saber que estamos n'algum lugar, o qual denominamos Terra.

    4. pois podemos ser personagens do sonho de um marciano, ou mesmo uma simulação computacional como no filme "matrix".

    R. Se sou o sonho de um marciano, é certamente porque o marciano sonha e, se sonha, é porque existe, de modo que até na mísera condição de sonho sou capaz de saber que algo existe. E como para saber é preciso antes existir, decorre daí que eu também existo. Da mesma forma, minha vida inteira não poderia ser uma simulação computacional se eu mesmo não existisse a fim de ser objeto de tal manipulação. Nos dois casos, eu existo, e pior: eu sei que existo.

    5. Obviamente isto não faz sentido nenhum para comunicarmos algo.

    R. Não faz sentido é de jeito nenhum.

    6. Se alguém pergunta: "há salada no frigorífico?", nós não vamos responder "em última análise, não sei".

    R. Claro que não. Basta dizer: "em última análise, estou com preguiça de ir lá ver, mas acho que há", sem prejuízo da hipótese de verificação pessoal.Mas seria verdadeiramente cômico se o sujeito, não percebendo a salada por trás das garrafas de coca-cola, voltasse para a esposa a dizer: "querida, já não estou certo se saladas existem".

    7. Respondemos "sim" se, face ao que sabemos, existem excelentes razões para acreditar que a salada está lá.

    R. Correto. E o primeira e mais elementar das razões é sabermos que salada existe.

    8. Se eu disser "são 22h", esta proposição poderia ser verdadeira em Portugal e falsa nos EUA.

    R. Muitíssimo bem. Mas a proposição só é verdadeira em Portugal e falsa nos EUA para quem saiba a diferença entre estar num e noutro lugar. E só saberá disso quem tenha a firme convicção de que Portugal e EUA existem.


    9. Já vi argumentos interessantes que mostram que Deus é uma impossibilidade lógica. Eu rejeito-os porque podem sempre existir definições de Deus que prescindam das características necessárias para provar a contradição (perfeição, omnipotência, etc...) segundo esses argumentos.O conceito de Deus passa bem sem elas (basta pensarmos em Seth), por muito populares que estas sejam.

    R. Já vi argumentos ainda mais interessantes segundo os quais Deus é uma necessidade ontológica, e isso precisamente por força, e não a despeito, das características mencionadas. Porém, é claro que existem conceitos de Deus que são pura e simplesmente impossibilidades. Não impossibilidade lógicas, como muitos pensam, mas impossibilidades reais. É aquilo que disse antes: o termo "existência" não pode ser aplicado a Deus no mesmo sentido em que é aplicado às coisas existentes. Coisa nenhuma pode existir nesses termos e ser, ao mesmo tempo, absoluto, infinito e perfeito. É nesse sentido que tais propriedades (as quais não são rigorosamente "propriedades") contradizem a existência. Não contradizem 'Deus', mas a forma própria de existir expressa na noção 'existência'. Tome, por exemplo, a onipotência divina. Onipotência é onipossibilidade, ou possibilidade universal. Para que um ente particular existisse, foi preciso que antes existisse a sua possibilidade. Ora, a possibilidade para existir, fundamento do existente, não existe em parte alguma da existência, e a possibilidade universal está para a possibilidade de existir assim como uma possibilidade de existência particular está para o respectivo existente. O termo 'existência', por sua vez, só possui sentido unívoco quando aplicado ao ser existente como tal, e Deus, possibilidade universal, jamais poderia ser uma forma particular de existência.Diante disso, o indivíduo pode ser levado a formular um conceito limitativo de Deus de modo a compatibilizá-Lo com o conceito igualmente limitativo de 'existência'. Agindo assim, está no caminho errado, pois está afirmando a existência de algo que, afinal de contas, não pode ser Deus.

    11. Mas a grande maioria dos ateus diz "Deus não existe" da mesma forma que diz "Dragões não existem". Ou seja: admitem que mudariam de ideias se vissem um destes seres, por exemplo.

    R. Se é assim, então não são ateus, mas agnósticos. E se admitem mudar de idéia no dia em que virem Deus, é porque esperam que Deus exista do mesmo modo que o vizinho ao lado. Deus não pode ser visto diretamente, se por visão se entender "intuição sensível". Mas Deus pode ser inteligido, mais ou menos como se intelige, numa dada situação concreta, a presença de uma possibilidade.

    12. Não dizemos que alguém se presume omnisciente por afirmar que a terra é redonda.

    R. Mas não é preciso onisciência sequer para saber com certeza que a Terra é redonda. Os astronautas a sabem redonda e não são oniscientes.

    13. E no entanto, em última análise ele não tem nenhuma forma de ter a certeza ABSOLUTA de que não é plana.

    R. Para ter certeza absoluta de que não é plana basta saber com absoluta certeza que é redonda. Os astronautas possuem essa certeza, e nós confiamos neles, e confiar é ter fé. Por via das dúvidas, basta fazer um cruzeiro da costa oeste dos EUA até o Japão.

    14. Revi a primeira mensagem que me escreveu, e não encontrei argumentação para refutar o meu argumento 1) e 2).

    R. Então seria o caso de voltar ao Pólo Norte e procurar o Pai Natal.

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  20. 1: "desconhecer a existência não é conhecer a inexistência"

    100% de acordo. Neste ponto não temos divergências. Continuemos.


    2:"Ou não sabes que existes?"

    Esta é uma boa questão. Eu creio que é a ÚNICA coisa que posso saber, em última análise, que existe. Mas mesmo isto é discutível. Já ouvi bons argumentos contra esta minha ideia.

    Mas o essencial da minha ideia são as outras coisas todas...


    3. «Claro que é possível. A Terra é precisamente o lugar onde estamos, e não é preciso ver-se do alto ou da lua para saber que estamos n'algum lugar, o qual denominamos Terra.»

    A terra é o lugar onde acreditamos que estamos. Mas podemos estar enganados. Pode não existir espaço, e é possível que eu esteja a viver uma ilusão. Nesse caso, não existe terra. Não temos meios de o saber.

    4. Ver ponto 2.

    5. ?

    6. «Claro que não. Basta dizer: "em última análise, estou com preguiça de ir lá ver, mas acho que há", sem prejuízo da hipótese de verificação pessoal.»

    Isso é falso, pois ver a salada não é garantia de que ela exista. Acreditar que se está a tocar na salada também não é.


    7. «E o primeira e mais elementar das razões é sabermos que salada existe»

    Mas como é que sabemos que a salada existe? Acreditarmos que vemos e tocamos na salada não é razão suficiente, visto que tudo isso pode ser ilusório.

    8. O exemplo era apenas para mostrar que o valor lógico de uma proposição depende do contexto em que a mesma é proferida.

    9. Uma variação do argumento ontológico. Uma boa sátira a esse tipo de argumentos (que expõe a falácia dos mesmos) encontra-se aqui: http://www.blogger.com/comment.g?blogID=29251019&postID=8483024918632710739

    11. «Se é assim, então não são ateus, mas agnósticos»

    Não existe qualquer incompatibilidade entre ser ateu e agnóstico, ou entre ser crente e agnóstico.

    O ateu não acredita em Deus, e o crente acredita.
    O agnóstico não sabe se Deus existe, face a isto pode acreditar (e ser crente) ou não acreditar (e ser ateu).

    Eu sei que é impossível - em última análise - saber que a "salada" existe, mas acredito que exista. tenho boas razões para acreditar que a salada existe.
    Não tenho boas razões para acreditar que os dragões, sereias, e duendes existem. Tenho boas razões para acreditar que não.
    Por isso não acredito que existam.
    Com Deus é a mesma coisa.

    12. «Os astronautas a sabem redonda e não são oniscientes.»

    Os astronautas - em última análise - não sabem que a terra é redonda. Eles acreditam que a terra é redonda, porque viram. Não têm forma de saber se o que viram foi uma ilusão.


    13. «Para ter certeza absoluta de que não é plana basta saber com absoluta certeza que é redonda. Os astronautas possuem essa certeza»

    Não pode saber que os astronautas têm essa certeza, pois nem sequer pode saber que existem.

    Mas eu acredito que a terra é redonda e que os astronautas existem.


    14. Não percebi o que quis dizer com «Então seria o caso de voltar ao Pólo Norte e procurar o Pai Natal.»

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  21. Caro Fernando,

    Regressado de umas fantásticas férias, foi com enorme prazer que li atentamente os seus comentários. É uma grande satisfação ver estes temas tratados com profundidade neste espaço, dando-nos a possibilidade de aprender com estas contribuições.

    É ainda inspiradora a sua paciência. Grande abraço e espero que volte a contribuir para este espaço.

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  22. 1. Esta é uma boa questão. Eu creio que é a ÚNICA coisa que posso saber, em última análise, que existe. Mas mesmo isto é discutível. Já ouvi bons argumentos contra esta minha ideia.

    R. Mas se você não existe, então quem em seu lugar ouviu aqueles argumentos? Ou será que não ouviu, foi só impressão? Não, Não. O mais provável é que você tenha deixado de existir apenas e logo depois ouvi-los...


    2. Mas o essencial da minha ideia são as outras coisas todas...A terra é o lugar onde acreditamos que estamos. Mas podemos estar enganados. Pode não existir espaço, e é possível que eu esteja a viver uma ilusão. Nesse caso, não existe terra. Não temos meios de o saber.

    R. É isto o essencial da sua idéia? Afirmar contra a evidência direta da experiência real qualquer fantasia que lhe venha à mente? Esse artifício é tão tolo, tão pueril, que um indivíduo só poderia utilizá-lo mediante alucinação ou fingimento, hipóteses que o desqualificam in limine para o debate sério. A única virtude deste tipo de argumentação é fornecer um exemplo cômico daquilo que já dizia Chesterton: "quando o homem não crê em Deus, não é que ele não creia em mais nada. Ele crê em tudo."


    3. Isso é falso, pois ver a salada não é garantia de que ela exista. Acreditar que se está a tocar na salada também não é.

    R. Fique tranqüilo, direi isso ao meu endocrinologista. Dorante, para efeito de dieta, serei um ateu de saladas.


    4. O exemplo era apenas para mostrar que o valor lógico de uma proposição depende do contexto em que a mesma é proferida.

    R. Já o meu era apenas para provar que, no julgar uma proposição qualquer, o cético leva em consideração todos os dados empíricos que negou um minuto antes. Em outras palavras: que o ceticismo - como o empirismo e o logicismo - é sempre suspeitamente seletivo.


    9. Uma variação do argumento ontológico.

    R. Nada disso. Não fiz uma defesa ontológica em favor da existência de Deus, mas uma descrição do conteúdo ontológico do termo 'existência' quando aplicado a Deus. O argumento de Santo Anselmo não faz essa descrição, mas é quase impossível compreender o argumento sem tê-la em mente. Quanto à objeção de que você falou, trata-se somente da arquiconhecida objeção kantiana.O problema é que a objeção kantiana vale apenas para juízos hipotéticos, e o argumento de Santo Anselmo não é um juízo hipotético, embora possa ser tratado como tal por quem não tenha a menor idéia do que ele está falando.


    10. O agnóstico não sabe se Deus existe, face a isto pode acreditar (e ser crente) ou não acreditar (e ser ateu).

    R. Não mesmo. 'Agnóstico' não é o gênero do qual surgem as espécies 'crente' e 'ateu'. 'Agnóstico' não é sequer aquele que 'não sabe se Deus existe', mas sim aquele que justifica a indisponibilidade para a fé mediante a alegação desse desconhecimento. Já o ateu dá um passo adiante: converte a ignorância numa forma de superior de certeza. O termo 'crente' não pode designar nenhuma variante dessas duas categorias. O crente é aquele que crê porque sabe quanto ignora, mas que sabe o bastante para poder crer.

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  23. Caro Miguel

    Esta página de vocês é uma maravilha. Você e o Nuno estão de parabéns. E creia-me: se tento não perder a paciência, é apenas na esperança de assim redimir o ateu idiota que fui um dia.

    Grande abraço,
    Fernando.

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  24. Fernando

    1. Não compreendo a sua intenção aqui. Disse-lhe que concordo que posso saber que existo (é a única coisa que posso saber) mas que já ouvi bons argumentos contra esta minha ideia, e o Fernando tenta ridicularizar argumentos que não conhece?
    Não vou responder à pergunta que me coloca, pois não sou eu que contesto essa sua ideia.


    2. e 3. Portanto o seu argumento contra a ideia que eu apresento - que em última análise não podemos ter a certeza de NADA (à excepção da nossa existência) - é qualificar esta ideia como ridícula. Prefere substituir o insulto pelo argumento.

    Não sei que diálogo espera que seja. Ao invés de - já que acredita que a minha ideia é ridícula - mostrar que ela não faz sentido (o que deveria ser particularmente fácil, sendo a mesma tão rizível), opta por achincalhar a minha posição, sem justificar a sua posição.

    Mas a força das ideias que apresento não é abalada senão por argumentos, e as suas respostas apenas mostram que não os tem.


    4. O céptico não nega a importância dos dados empíricos. Apenas nega a possibilidade de derivar deles qualquer certeza absoluta. Isto apenas mostra a irrelevâncias das certezas absolutas: sim, não podemos saber que não existem Sereias, Pai Natal ou Dragões. Não podemos saber se D. Sebastião ainda está vivo, ou se as formigas pensam tanto como nós. Mas será essa ausência de certeza relevante?
    Eu sei que não vai caír um meteorito aqui nos próximos 2 minutos, ou que não está um tigre na minha cozinha. Não posso ter a certeza absoluta, mas ela é irrelevante. Tenho razões para considerar suficientemente prováveis estas proposições, ao ponto de poder dizer que "sei" que são verdadeiras.

    A propóstio disto ver: http://ktreta.blogspot.com/2008/05/sei-que-deus-no-existe.html


    9. Como é diferente a argumentação quando se tem argumentos. Aqui não vi nenhum insulto ou achincalhamento.
    Aquilo que escreve leva-me a crer que não entendi propriamente aquilo que escreveu na mensagem anterior a este respeito. Por isso, é capaz de ter razão nisto que escreve.
    Peço-lhe portanto que exponha o seu argumento de outra forma, para que eu entenda melhor aquilo que quis dizer e responda em conformidade.

    10. Não há uma resposta definitiva para esta questão. "Ateu" e "Agnóstico" são palavras que não estão definidas de forma inequívoca: existem vários debates a respeito de qual a definição mais adequada para estes termos.

    A forma como eu uso o termo ateu é a seguinte: aquele que não crê que Deus existe. Seja esta não crença passiva (não crê que Deus existe nem crê que não existe) ou activa (crê que Deus não existe e por isso não crê que exista).

    A forma como eu uso o termo agnóstico é a seguinte: aquele que não sabe se Deus existe. Seja este desconhecimento acompanhado de crença em Deus ou não.

    Se usa outra forma de definir os termos, tudo bem. Desde que as definições fiquem claras, tudo bem. São apenas palavras, e o que importa são as ideias que lhes estão subjacentes.

    Na minha forma de expor, sou um ateu explícito (acredito que Deus não existe) e sou agnóstico (não sei - no sentido absoluto do termo - se Deus existe).
    Claro que se falar no sentido corrente do termo, da mesma forma que sei que não há um tigre na minha cozinha, sei que o Deus judaico-cristão não existe.

    Mas sobre isto, o texto a que fiz referência no ponto acima expõe na perfeição aquilo que acredito a este respeito. Não foi escrito por mim, mas podia ter sido, eh!eh!

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  25. Caro Vasco

    Creia firmemente que não tive a mais mínima intenção de insultá-lo gratuitamente. Se respondi a você com uma piada, foi porque a piada me pareceu resposta suficiente, desde que compreendida.

    Eu poderia ter respondido com um argumento, como farei a seguir, mas essa teria sido uma resposta imperfeita, pois o que importava revelar ali era a contradição real expressa na situação concreta, não uma contradição lógica. A comicidade da situação derivava do contraste entre incapacidade de atinar com a contradição real e a obstinada devoção ao argumento lógico.

    Um indivíduo que acompanhasse um argumento contra a certeza da própria existência deveria saber, qualquer que fosse a excelência do argumento, que só quem existe e está perfeitamente consciente disso pode acompanhar um argumento. A existência do eu, a ciência dessa existência e a continuidade desse eu no tempo são condições indispensáveis para a experiência de ouvir uma argumentação, persuadir-se e relatá-la depois. Não perceber que o conteúdo mesmo do argumento contradiz - não lógica, mas concretamente - o fato mesmo de que seja ouvido e formulado é sintoma de grave de alienação. Alienação das condições mais básicas da existência, das certezas mais óbvias e imediatas, e isso por força de uma qualquer sugestão verbal onde a coerência substitui a realidade.

    Quando, diante de um argumento, alguém questiona a certeza da própria existência, o que ele de fato faz é confundir meios de conhecimento com meios de prova, elegendo estes como critério de legitimidade daqueles, quando o procedimento correto (e mais: inescapável) é precisamente o oposto. O mais elementar juízo de verdade - São 21h? Hoje é 26 de maio? - depende do conhecimento efetivo de uma conjunto de dados que o argumento em si está longe de poder oferecer, tampouco de poder fundamentar. É precisamente em função destes conhecimentos perfeitamente óbvios e irrefutáveis que a prova lógica, o juízo, o raciocínio são possíveis. Submeter à prova lógica o conjunto inteiro do conhecimento, só aceitando por conhecido o logicamente demonstrado, é o mesmo que obrigar o rabo a abanar o cachorro. O fato de que as pessoas se tenham tornado insensíveis a essa distinção explica-se pelo fato de que este erro está incrito no coração da filosofia moderna.

    Quando Descartes, depois de uma longa meditação, conclui enfim que existe, pretendendo derivar essa certeza única e exclusivamente da prova, esquece-se no entanto de que a prova só é válida se o eu que iniciou a meditação for o mesmo que a concluiu, de modo que é a certeza prévia deste eu e de sua continuidade que, de fato, fundamentou a prova, e não o contrário, como ele pensou. A suspensão do juízo e a dúvida sistêmica são meros teatrinhos cognitivos nos quais o ator termina a crer que é mesmo a personagem.

    Some-me a isso uma cosmovisão plasmada à luz do empirismo científico, para o qual o mundo fenômenico reduz-se a um agregado insubstancial de aspectos quantitativos, e a inteligência humana estará podre o bastante para raciocinar de modo cada vez mais elegante sobre um mundo que sequer precisa existir.

    Identificados conhecimento e prova, o passo seguinte, já previsto na pauta cartesiana, seria a identificação entre prova e realidade. E esse é todo o horizonte do mundo moderno.

    Hoje fico por aqui. Do mais tratarei depois.

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  26. Fernando:

    O essencial do seu texto anterior corresponde à refutação de um argumento que nunca lhe apresentei e de cuja conclusão não partilho.

    Mas será que faz sentido refutar um argumento que não se conhece, perante alguém que não acredita na conclusão?

    Se discutir com a minha namorada (a última pessoa com quem discuti este ponto) ela vai perguntar-lhe como define a existência. Creio que a sua argumentação não refuta a argumentação dela, pois nem sequer toca neste ponto. O Ludwig, que tem uma opinião semelhante à dela, falará sobre a natureza da consciência, a forma como ela alegadamente emerge da actividade neuronal, e não se trata de uma entendidade mas sim de uma "actividade". Outra questão central que não foi abordada.

    Mas como poderia refutar devidamente argumentos que desconhece?


    Já no que respeita às questões em que discordamos, não encontrei nenhum argumento. Aguardo então futuros textos, em que esses assuntos sejam abordados.

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  27. Não entendeu nada?

    Qual seja o argumento é inteiramente irrelevante, porque meu texto não responde ao argumento, responde à situação real na qual o argumento foi formulado, a qual é suficiente para invalidar qualquer argumento.

    Piada e texto têm um só objetivo: desmontar o fetiche lógico por meio do qual conhecimento vira argumento, e argumento, realidade.

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  28. Fernando:

    «Qual seja o argumento é inteiramente irrelevante, porque meu texto não responde ao argumento, responde à situação real na qual o argumento foi formulado, a qual é suficiente para invalidar qualquer argumento.»

    Não parece uma atitude que revele grande abertura de espírito. Espero que não seja a sua postura habitual.


    Eu por exemplo acho que os católicos entram numa contradição quando dizem que Deus é a causa primeira de tudo, mas depois negam que Deus seja a causa do mal. Para mim a contradição é directa e imediata e não há como fugir.
    Se é a causa de tudo, é a causa do mal.

    Mas isso não quer dizer que não esteja disposto a ouvir aqueles que negam que isto seja assim. Normalmente falam sobre o livre arbítrio e fogem à questão (porque a contradição permanece), mas isso não é razão para me recusar a ouvi-los.

    Mas se alguém disser «eu concordo contigo, mas conheço um indivíduo que argumenta muito bem a favor da posição oposta», será que faz grande sentido ridicularizar tal argumentação que não conheço?

    Não creio.

    Temos tanto em que discordamos, porque é que o Fernando vai insistir em refutar uma argumentação que não conhece?

    Mas, como já venho dizendo há umas mensagens atrás, não pode sequer convencer quem já está convencido. Eu acredito que posso saber que existo.

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  29. Para resolver esta questão basta ler São Tomás de Aquino... entre outros. Deus não existe porque Ele é a própria existência... como se prova a existência da existência?
    Deus é sobressencial, e por isso a questão da existência nunca se pode aplicar Àquele pelo qual todas as coisas existem. Nesta perspectiva tradicional, afirmar que Deus existe ou que não existe é, em ambos os casos, uma falsidade.

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  30. Nuno Afonso:

    Se uma cultura acreditar num Deus mau e cruel, o Nuno Afonso vai afirmar que tais pessoas acreditam em algo que é falso.

    Mas se eles acreditarem que o seu Deus é a própria existência, eles poderão usar a argumetação exposta no seu texto anterior para refutar a afirmação do Nuno a respeito da crença deles.

    Como o Nuno acredita que a sua afirmação não será falsa, só lhe resta acreditar que a argumentação que expôs é inválida.

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  31. É que acreditar que a existência existe é uma coisa, outra coisa é afirmar que esta "existência" tem esta ou aquela característica.

    Eu não posso dizer que a existência não existe, mas posso dizer que Ghilgamesh, um ser que a cultura X acredita ser a própria existência - entre outras coisas - não existe.

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  32. Para Richard Dawkins Deus não existe. Richard Dawkins é docente de “Public Understanding of Science” em Oxford e escritor do novo bestseller do momento, denominado “The God Dellusion”. Nessa obra, Dawkins, ateísta radical, recusa a existência de Deus e declara que as religiões têm papel funesto no mundo. No seu juízo, e à semelhança da perspectiva do Reino do Terror, as religiões são algo a ser banido e suprido pela ciência.
 O livro, que li em 2006, tem escasso interesse. Não é inédito nos seus raciocínios, é grosseiro para com as religiões e politicamente sectário, no seguimento das intenções politicas iluministas de Perre Gaspard Chaumette. Erigir a razão científica como Providência não extinguiu os conflitos mundiais, nem dissolveu quaisquer dos problemas que lesam o mundo. Muito pelo contrário, ofereceu aos homens a capacidade superior tecnológica e mecânica de agir mal: Hitler, Stalin, Mao, e muitos outros monstros genocídas, eram ateus e com perspectiva científica do mundo! 
O mais ridículo do livro é que o Deus que Dawkins descreve, logo na introdução da sua obra, e que é o assunto da sua tese, é inconcebível sob o ponto de vista teológico. Dawkins alude a um Deus antropoforme alegórico, criatura omnisciente, omnipresente e omnipotente que habita no éden e que, conforme os crédulos, será o Criador do cosmos. Ora este argumento serve apenas para desacreditar quem ainda acredita no Pai Natal. Esta explicação de Dawkins, é de facto a alegoria ou o símbolo que, levado à letra, se transforma no delírio (dellusion), mas esse não é, nem nunca foi, o Deus dos teólogos e dos Doutores da Igreja. Esse será, quando muito, o Deus dos rudes pueris, da superstição, e não é necessário tanto palavreado e argumento para o negar. 
O Reino de Deus não é deste mundo, não se encerra no Ser. Não está circunscrito ao mundo material em que habitamos, regulado pelo tempo e pelo espaço. É por isso que a teologia apofática assevera que para O concebermos é necessário principiarmos por O negar.

    O ateísmo de Dawkins é superstição. Parece paradoxal fazer esta declaração porque o ateísmo é qualificado, formalmente, pela privação de fé em Deus, pela asserção do valor absoluto da ciência e do laicismo. Todavia, a apreciação analítica comprova que o ateísmo parte da negação e que a importância que outorga à ciência, enquanto conhecimento separado da ontologia , reivindica, por parte do ateu, um acto de fé, desconexo ontológicamente, e em tudo semelhante à superstição. 

Os paradigmas científicos que abrangem noção, valores e práticas adoptadas pela maioria dos cientistas, os objectivos de investigação da ciência, a forma como são organizados os métodos científicos e até a exegese dos resultados, subordinam-se e dependem de fundamentos filosóficos. Ora a desconexão singular de Dawkins afasta o conhecimento científico do imprescindível rigor epistemológico e relativiza-o ao ponto de ficar dependente da crendice. 
Como os modelos científicos experimentam revoluções e as certezas de hoje são falsidades amanhã, a valorização exagerada da ciência, decorrente da suposta ausência de absolutos, conduz inevitavelmente à cegueira.
 
Esta é uma das causas do descrédito do conhecimento científico aos olhos da população e que descreve, por exemplo, como a astrologia é mais conhecida do que a astronomia. Sem fundamentos ontológicos, o saber científico passa a ser apenas discurso opinativo com tanta validade como qualquer outro. 

E onde se expõe essa desconexão? Manifesta-se por exemplo na recusa de Dawkins a responder à pergunta fundamental: -Porquê a existência? Porque não nada?

    Esta é uma das interrogações que nos conduzem a Deus. Ao inverso de Bertrand Russell e até de Ayn Rand, é espontâneo constatar que a fácil afirmação de que "o mundo é porque é" (Russell) ou que a "existência dos existentes é um princípio absoluto" (Rand) é cientificamente, já para não dizer filosoficamente, inválida. O determinismo materialista é inconciliável com o aparecimento espontâneo do Universo e portanto é imperativo da dedução lógica conceptualizar a existência de Deus, coisa diferente do Universo e que o originou. Deus deve conter em si a razão da sua própria existência porque não pode ser o nada. Deus não pode ser circunscrito pelo universo, como condição de causa absoluta, contudo Deus está projectado em tudo, enquanto origem das coisas. Deus terá de ser o âmago da existência, fora do tempo, do espaço e da matéria. A necessidade de Deus é uma verdade absoluta, porque é origem da existência do Universo.

 Se chamarmos Criação ao processo que originou o universo, obtemos o Deus da ciência: O Deus que criou o universo.

Não podemos por isso substimar a necessidade do conceito de Deus, até compreender que Ele encerra princípios filosóficos que considerados fundamentais: a afirmação da indefinidade do universo (a continuidade do espaço e da divisibilidade da matéria), a afirmação da eternidade (e continuidade do tempo), a afirmação da verdade, de amor, de justiça, a afirmação da consciência e do intelecto, entre outras, são afirmações dependentes do conceito de Deus. Este teísmo está, desta forma, não só sujeito à causalidade científica, como é o próprio fundamento desta, assim como é fundamento da filosofia enquanto busca permanente da verdade. Justifica ainda o livre arbítrio e a liberdade humana. Esta abordagem metafísica opõe-se radicalmente ao ateísmo de Dawkins. Como seres deste Universo, nada podemos ver sobre Deus. Daí que muitos teólogos tenham declarado que aos homens é facultado apenas saber o que Deus não é, e não o que Deus é. Recusar a pergunta: “Porquê a existência e não o nada?”, ou pensarmos que a resposta está ao alcance de métodos experimentais é, para além de grande falta de inteligência, a mais ilusória das superstições. A afirmação "Deus existe", segundo Aquino é tautológica porque Deus e existência são uma e a mesma coisa.

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  33. Caro Nuno Afonso,

    Obrigado mais uma vez pela sua contribuição a qual tenho apreciado imenso. Gostaria mesmo de lhe pedir autorização para publicar este seu texto na página principal do blog. Na realidade, esta troca de comentários já vai longa o que a torna pouco acessível a outros visitantes. Se estiver de acordo pode contactar-me através do email que consta no blog, dando-me ainda enorme prazer ter o seu contacto para podermos mais facilmente trocar algumas opiniões.

    Um abraço
    Miguel Conceição

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  35. O texto do Nuno Afonso tem quase tantos erros e falácias como o texto de James Cutsinger que comentei inicialmente.

    «Como os modelos científicos experimentam revoluções e as certezas de hoje são falsidades amanhã, a valorização exagerada da ciência, decorrente da suposta ausência de absolutos, conduz inevitavelmente à cegueira.»

    A valorização da ciência corresponde à noção de que este é o melhor método para obter conhecimento, e não que os seus resultados sejam absolutos.
    Assim, se a ciência diz que não existem sereias, não quer dizer que não existam, mas sim que pelo que sabemos o mais razoável é acreditar que não existem.

    «Esta é uma das causas do descrédito do conhecimento científico aos olhos da população e que descreve, por exemplo, como a astrologia é mais conhecida do que a astronomia.»

    Astrologia é tão popular pela mesma razão que dificilmente um político chega ao poder sem fazer algumas promessas que não possa cumprir. A ciência é honesta, mas muitas vezes a mentira vende.


    « O determinismo materialista é inconciliável com o aparecimento espontâneo do Universo»

    Mas os cientistas em geral, e o Dawkins em particular tanto quanto sei, são indeterministas.
    A mecânica quântica mostra que existe acaso real.

    «e portanto é imperativo da dedução lógica conceptualizar a existência de Deus, coisa diferente do Universo e que o originou»

    Obviamente este portanto é uma falácia grosseira. Uma coisa não decorre de outra.

    «Deus deve conter em si a razão da sua própria existência porque não pode ser o nada.»

    Outra falácia.
    Mesmo sem ser o nada poderia ter sido criado por outro Deus, entre outras hipóteses.
    Isto claro, sem contar que assumir que Deus não pode ser o nada é precisamente o que se defende neste texto, pelo que se trata de uma petição de princípio.

    «A necessidade de Deus é uma verdade absoluta, porque é origem da existência do Universo.»

    Ou se chama "Deus" à origem do Universo, e nesse caso "Deus" não tem necessariamente nada a ver com o conceito que lhe associam (pode não ter consciência, por exemplo); ou então o facto do universo ter uma origem não implica que essa origem seja Deus.

    «Não podemos por isso substimar a necessidade do conceito de Deus, até compreender que Ele encerra princípios filosóficos que considerados fundamentais: a afirmação da indefinidade do universo (a continuidade do espaço e da divisibilidade da matéria), a afirmação da eternidade (e continuidade do tempo)»

    Falta fundamentar a "compreensão" que se propõe.
    E certamente que não há razão para assumir que o facto do universo ter uma origem implica a sua eternidade: na verdade esta sugere o contrário.

    «a afirmação da verdade, de amor, de justiça, a afirmação da consciência e do intelecto, entre outras, são afirmações dependentes do conceito de Deus.» Para algumas religiões apenas. Mas ainda assim, se estas afirmações estão dependentes do conceito de Deus, está por demonstrar a sua relação com a origem. Ou seja, ou chamamos "Deus" à origem e assim não podemos assumir a associação entre estas características e Deus (o que é disparatado) ou associamos Deus a estas características e assim não podemos assumir que a origem é Deus.

    «assim como é fundamento da filosofia enquanto busca permanente da verdade.»

    Há meia dúzia de filósofos que eram capazes de contestar essa...


    «Recusar a pergunta: “Porquê a existência e não o nada?”, ou pensarmos que a resposta está ao alcance de métodos experimentais é, para além de grande falta de inteligência, a mais ilusória das superstições.»

    Considerar que uma pergunta filosófica nunca estará ao alcance da ciência experimental corresponde, na minha opinião pessoal, a ter vistas curtas.
    Não sabemos o que é que se saberá, mas sabemos que perguntas que nunca pensámos que estivessem ao alcance da ciência experimental são-lhe hoje triviais.

    «A afirmação "Deus existe", segundo Aquino é tautológica porque Deus e existência são uma e a mesma coisa. »

    Este foi um dos muitos disparates do pobre senhor.
    Esse argumento parece-me uma verdadeira fraude intelectual, como muito do que S. Tomás escreveu.

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  37. «O que o Vasco está a fazer é afirmar que, por exemplo, um sinal de trânsito que diz Lisboa a 10 Km, não é a cidade de Lisboa.»

    Esse sinal de transito não implica a existência de Lisboa, mas é um bom indício da sua existência.

    Pelo contrário, a existência implica apenas isso: a existência. Não é indício de nenhum Deus. Mesmo que se postule que um Deus qualquer é a existência, esta não se converte em nenhum indício da veracidade deste Deus.


    «e ainda não entendeu que para a teologia a questão da existência de Deus é uma falsa questão, aliás nunca se põe»

    Não, eu tenho perfeita noção disso.
    Isso não abona muito a favor da teologia, claro...


    «ou seja não é um conhecimento real mas apenas uma descrição de eventos sensíveis sem qualquer relação com o inteligível, é por isso também uma superstição.»

    Existe um livro chamado "posturas intelectuais" que desmascara de forma eloquente estas fraudes intelectuais do pós-modernismo.


    «Quanto à mecânica quântica ela explica tudo e o seu contrário, basta observar o pântano de opiniões divergentes e antagónicas que é hoje a teoria física do universo, esta começa a perder a sua objectividade com o principio de incerteza de Heisenberg, e hoje para uns são branas, para outros cordas, pluriversos, etc...»

    Isso tudo são disparates e má divulgação.

    A mecânica quântica é objectiva, e é graças à sua objectividade que os computadores - e toda a electrónica moderna - funcionam.

    Se fosse uma superstição esperaríamos que tivesse a mesma eficácia que a astrologia.
    A tecnologia é a maior demonstração da fraude pós-moderna ao alegar que «a ciência é uma crença como as outras».

    As crenças da ciência são as mais razoáveis e plausíveis, porque a ciência é precisamente o método para as derivar.
    E a demonstração da diferença entre as crenças científicas e as restantes pode ser facilmente entendida através de uma frase de Jesus: "pelo fruto se conhece a árvore". As imposturas intelectuais são estéreis, e a ciência resulta na tecnologia.


    «São hoje os próprios cientistas a admitir a sua falácia, e a lançar a hipótese de que a visão cientifica do mundo não é mais do que uma construção mental sem qualquer relação com a realidade...»

    Até foi publicado um artigo que dizia isso mesmo: que o PI e a constante de gravitação universal eram resultantes da evolução histórica da humanidade. Quem tinha escrito o artigo era um físico, mas o artigo era uma mera sátira. Uma anedota com o objectivo de denunciar a fraude intelectual do pós-modernismo.

    «ou seja o que a ciência descreve é o nosso entendimento racional do mundo e não o mundo.»

    A ciência é o método para derivar o melhor entendimento do mundo possível.
    Mas dizer que o mapa de Lisboa não é Lisboa, ou mesmo salientar que pode ter incorrecções, é muito diferente de alegar que não tem relação com Lisboa.
    As primeiras duas afirmações são óbvias, e a terceira é ridícula. E dizer que são equivalentes é disparatado.

    «Quando falava de determinismo materialista estava-me a referir à noção axial de causalidade, ou seja ao determinismo causal, que é um dos fundamentos de todo o discurso cientifico: a relação causa efeito.»

    Que disparate.
    A ciência actual admite efeitos sem causa - foi isto que a mecânica quântica demonstrou.

    Aliás, esta é uma das várias falácias no argumento determinista da causa primeira de S. Tomás de Aquino. Um argumento tão carregado de falhas que é dífícil saber por onde começar a refutá-lo.


    «A infinitude implica que seja una, duas infinitudes são uma contradição lógica por se excluírem mutuamente, etc.»

    Eu sei que isto é um argumento popular na teologia, mas também me parece totalmente disparatado.
    Não há nada nesse conceito que implique a unicidade.


    «O que caracteriza também todo o seu discurso é a noção de que tudo está ao alcance da experiência, ou seja para si o real é o que é sensível.»

    Isto é disparatado.
    O que eu afirmei é que não faz sentido afirmar que a exploração do sensível não nos permitirá ter resposta para esta ou aquela pergunta, porque não sabemos.

    Há perguntas para as quais a ciência pode nunca nos dar respostas. Saliento o "pode". Não sabemos.

    Mas se uma determinada crença contraria a ciência, então o mais razoável é assumir que está errada.

    De resto, assumir que podem existir coisas que os sentidos não mostram é algo que não excluio. Mas se não existem razões para assumir a existência de algo, não faz sentido assumir que existem.

    No fundo isto corresponde ao que Carl Sagan escreveu sobre o Dragão invisível na garagem. O Dragão invisível, que não pode ser tocado, não emite calor, não pode ser detectado de nenhuma maneira. Pode existir, mas é tolo assumir que existe. Um explicação muito mais razoável para a alegação de quem a faz é assumir que é uma alegação falsa.
    Assim acontece com a religião. Não têm forma nenhuma de dar indícios razoáveis da existência do ser ultra-poderoso cuja existência proclamam. É muito mais plausível assumir que as suas alegações são falsas.

    Pode existir o "invisível", mas aí ele é tão "invisível" para os sacerdotes e profetas como para os cientistas. Por isso o "invisível" tanto podem ser Duendes e Fadas como o Deus dos cristãos. Não faz sentido acreditar em Fadas porque o invisível pode existir, e o mesmo se aplica a Deus.

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  38. O livro chama-se "IMposturas intelectuais", claro!

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  39. Este comentário foi removido pelo autor.

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  40. «Por um lado afirma: A tecnologia é a maior demonstração da fraude pós-moderna ao alegar que «a ciência é uma crença como as outras».

    Mas logo a seguir fala das “crenças da ciência”. Fico sem saber se, para si, esta ciência é uma mera crença ou tem um fundo de verdade. »

    Imagine que alguém vai lançar um dado.
    Há dois indivíduos que apostam o seu dinheiro, e quem ganhar a aposta fica com tudo.
    O indivíduo A aposta que vai saír 6, e o indivíduo B aposta que vai saír outro valor.
    Quem fez a aposta mais inteligente?

    Mesmo que calhe 6, o indivíduo B foi sempre quem fez a aposta mais inteligente.

    Se nós andarmos por uma cidade desconhecida, é óbvio que o mapa da cidade pode ter pequenos erros, mas é melhor guiarmo-nos pelo mapa da cidade que por um mapa aleatório. Existe a possibilidade de um mapa gerado aleatoriamente estar mais correcto que o mpa da cidade, mas é ridículo escolher gerar aleatoriamente um mapa em vez de usar o mapa da cidade, por falível que este possa ser.

    Assim é a ciência face à superstição.
    É o método que gera as crenças mais plausíveis, as crenças com melhor possibilidade de serem verdadeiras.

    Claro que a ciência pode estar errada, e o Pai Natal e os Duendes existirem mesmo, mas é mais razoável acreditar que o Pai Natal não existe.


    «Aquilo a que chama imposturas intelectuais, deram origem a civilizações das quais surgiram os próprios fundamentos da ciência que defende.»

    O mesmo podia ser dito da escravatura, mas é falso.
    Não foi a superstição ou a escravatura que deram origem à civilização: foi o engenho.


    «Pelos frutos desta ciência tecnológica de matriz industrial, estamos todos a morrer envenenados de formas cada vez mais sofisticadas.»

    A esperança média de vida mais do que duplicou, mas a tecnofobia consegue ser bastante cega.


    «As ciências actuais não têm um carácter desinteressado e especulativo, visam apenas finalidades práticas, disfarçadas sob a aparência de uma falsa intelectualidade. O que torna esta ciência tão popular são ainda os resultados práticos que dela se pode tirar, ou seja os resultados sensíveis e palpáveis, que permitem satisfazer as necessidades materiais mais básicas do ser humano»

    A primeira frase é simplesmente falsa.
    A segunda inverte a questão. Não é por ter consequências práticas que a ciência origina as melhores crenças: é por originar as melhores crenças, as com maior hipótese de serem verdadeiras, que tem consequências práticas.

    É como na "Arte da Guerra de Sun Tsu": não é por um general ser vitorioso que tem um bom sistema de informação, é por ter um bom sistema de informação que é vitorioso.


    «Tudo o que não cai no âmbito da observação objectiva é considerado irreal.»

    Isto é um disparate.
    O que não pode ser observado, de forma nenhuma, não pode ser conhecido.
    Por isso a ciência, sendo o melhor método para conhecer, não estuda o que não pode ser observado.

    Mas repito: o que não pode ser observado pode existir. Mas não há razão para dizer que Deus é mais plausível que o Dragão inobservável na minha garagem. Todas as especulações que não se baseiam na observação têm o mesmo valor: irrelevante.

    Nisto tudo estou a excluir as deduções lógicas, assumindo que todas as deduções estão implícitas nos respectivos axiomas. Só para simplificar esta questão.


    «O que é então para si e existência? »

    Corresponde ao facto de um determinado objecto pertencer à realidade.

    Mesmo objectos como "bem" ou "justiça" existem, no sentido em que correspondem a um conjunto de objectos reais: seja um conjunto de actos classificados como bons, no primeiro caso, seja um conjunto de actos classificados como "justos".

    Admito que possam existir definições melhores do que esta, mas certamente não faz parte da definição ter consciência e ser "infinita"


    «Acontece que o método falha redondamente quando constatamos efeitos sem causas, por exemplo, e o queremos explicar.»

    Isto é um mero preconceito determinista.
    Porque é que um efeito sem causa haveria de ser algo falso?

    «o fundamento aqui é a fé nos sentidos, nas aparências»

    Distingue fé de crença?
    E acredita que acredirar na inexistência de sereias é um acto de Fé?


    «Para ela tudo o que não assenta na dualidade é falso»

    Tem uma ideia muito distorcida da ciência, isso compreendo.
    A ciência estuda o que pode ser observado, porque é o que pode ser conhecido.
    Se não podemos conhecer o que não pode ser observado, não faz sentido alegar que conhecemos. Trata-se de uma impostura.

    Agora se algo tem uma componente observável directamente, e uma componente não observável intimamente ligada com a observável, então a ciência lida com isto todos os dias.
    Ninguém viu electrões, mas a partir daquilo que vemos sabemos que estão lá e como se comportam.


    «Vários erros teológicos na concepção desta frase:
    Deus não é um ser, é mais do que isso, é mais do que ser , é sobressêncial, é ser e não ser.
    Deus não existe nem deixa de existir, pois a existencia não é o fundamento de Deus mas sim o inverso, é Deus o fundamento da Existência, é por Ele que ela surge e não o inverso. Deus não cai na esfera do ser.
    A Existência não é uma categoria aplicável a Deus. Logo a religião não tem que dar nenhuns indícios »

    Se eu disser que há um dragão inobservável na minha garagem também não tenho de dar indícios.
    E porque não assumir que o Dragão é infinito (afinal não está só na garagem, já agora) e que sai da esfera do ser, e que a Existência não é uma categoria aplicável a ele, então muito menos tenho de dar indícios.

    Mas não é razoável (lá estou eu..) dar ouvidos às minhas alegações, porque elas carecem de fundamento.


    «Como vê a melhor das metodologias para entender o mundo ainda não me fez entender nada, mas suponho que sejam apenas erros de divulgação ciêntifica....»

    Há aqui dois trabalhos incompletos.
    Um deles é o da própria ciência, que está longe de se limitar à mecânica quântica, e ainda está longe de ter acabado o seu trabalho de compreender o mundo.

    Mas mesmo assumindo, por hipótese académica, que a ciência tinha as respostas a todas essas perguntas, isso não corresponde a qualquer garantia de que o Nuno as compreendesse. Isso exige tanto esforço e estudo, que mesmo sendo um profissional poderia ter enormes dificuldades em abarcar as respostas. Até é possível que as respostas sejam demasiado complexas para os nossos cérebros limitados.

    Por todas estas razões não faz sentido assumir que o facto de não conhecer as respostas implica algo de incompleto a respeito da ciência.

    E ainda não entendi o que é que existe de subjectivo na mecânica quântica...

    «A fisica quantica quantifica. Faz contas. Alias é a única qualidade do universo que conhece, a qualidade da quantidade»

    Os números não passam de ideias. Quem não entende os números não entende toda uma classe de ideias, e é uma classe importante para compreender a realidade.
    Mas obviamente a ciência não se limita aos números - nem tão pouco a mecânica quântica. Ela lida com ideias, sejam números ou outro tipo de relações.

    ««Duendes e fadas” com a invisibilidade das realidades inteligíveis como o é Deus. Já viu o Zero? Ou o infinito? Nunca viu pois não? Mas não quer dizer que estes sejam menos reais do que aquilo que vê.»

    O Duende e a Fada não são reais, mas a "ideia de Duende" é real.
    Como o zero e o infinito são ideias, e estas ideias são reais, dizemos que o zero e o infinito são reais, e bem!
    São tão reiais como a ideia de Duende e de Fada. São ideias que existem.

    Deus também está nesta categoria: a ideia existe, tal como a ideia de Duende ou de infinito.
    Mas, tal como com o Duende, não temos boas razões para acreditar que Deus existe fora dos nosso cérebros.

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  42. «Quem lhe diz que o mapa da cidade que defende tem a cidade toda?»

    Defende que é melhor usar aquele mapa para se orientar na cidade do que um desenho feito ao acaso, por exemplo.


    «Existem no mundo as verdades mais implausíveis que possa imaginar.»

    Claro que o implausível pode ser verdadeiro.

    É possível que o homem nunca tenha ido à lua e tenha sido tudo uma conspiração do governo dos EUA e uns hipotéticos aliados extraterrestres.

    Como escrevi acima - e fui tão criticado - é possível que a terra não seja redonda.

    Mas é ridículo acreditar nisso. Entre várias hipóteses, é racional acreditar na mais plausível.
    Podem surgir novos dados que façam com que a hipótese anteriormente pouco plausível passe a ser a mais plausível, mas antes desses dados não faz sentido acreditar nessa hipótese mais do que na mais plausível.


    «acho que se fizer bem as contas os malefícios são indefinidamente superiores. »

    Só se forem as contas da tecnofibia barata, de quem não é coerente com o que acredita para ir viver com os bosquímanos.

    http://www.ted.com/talks/view/id/163

    Eis apenas um exemplo daquilo que a tecnologia fez por nós. De como estamos a viver muito melhor que os nossos antepassados.

    É óbvio que existem vários problemas neste mundo. São consequência da natureza humana (somos animais, afinal de contas) mas também do facto de sermos muitos neste planeta. Nesse aspecto os valores pró-natalistas das religiões só tornam o mundo pior, e os problemas mais graves.

    A ciência pode - novamente - ajudar a solucionar os problemas. A tecnofobia é um beco sem saída.


    «a existência é a existência, o tempo é o tempo, a matéria a matéria, eu não chamo a isso crença mas redundância.»

    Também não chamo a isso crença. E nunca escrevi um disparate desses. Sugiro mais atenção ao ler o que escrevo, porque já não é a primeira vez que diz que fiz esta ou aquila afirmção que eu não vejo escrita em lado nenhum.

    «São estes os únicos meios de que dispõe para conhecer as coisas? Claro há que excluir neste raciocinio as deduções lógicas... é que elas nem sempre são observáveis, mas são conhecidas!»

    O conhecimento obtido por dedução já está implícito nas premissas de partida.

    Assim sendo, é verdade que não se pode conhecer nada sem partir da observação.
    O trabalho de dedução é muito importante para tornar explícito aquilo que estava implícito.

    «espero que não cometa a impostura de dizer que o real é o sensível»

    Se eu tiver uma alucinação o sensível é irreal.
    Claro que nunca afirmaria um disparate desses. Até mesmo porque já disse que podem existir inobserváveis: daí se deduz facilmente que não penso dessa forma.
    Os inobserváveis podem existir, só não podemos saber que eles existem. E é irracional assumir que um inobservável em concreto existe, porque para tal assunção ser racional é preciso uma razão válida.

    «Porque causa e efeito são conceitos interrelativos, não existe um sem o outro...»

    O decaimento de um núcleo de urânio acontece naquele instante sem causa.
    Quando se diz que todos os efeitos têm uma causa, está a afirmar-se que todos os acontecimentos são efeitos de uma causa. Isto é uma afirmação, tanto quanto sabemos, falsa.

    Assim, o facto da ciência assumir que há acontecimentos sem causa não sugere que esta seja falsa, pois não há nenhuma razão válida para assumir que todos os acontecimentos deveriam ter uma causa.


    «Não distingo fé de crença...»
    Assim só vai causar males entendidos.
    Pode então dizer que o ateísmo é uma fé. Isso é basicamente redundante, e apenas mostra o mau uso que faz das palavras.

    O ateísmo pode ser uma fé, se alguém acredita que é bom acreditar nisso independentemente das evidências ou indícios.
    E a crença religiosa pode não ser fundamentada na fé, se alguém tem indícios tais que a crença religiosa é de facto a hipótese mais razoável. o S. Tomé da lenda poderia acreditar em Jesus sem Fé, por exemplo.

    Mas se chama Fé a qualquer crença, então a palavra torna-se irrelevante. Mais vale usar apenas a palavra crença, que ao menos não causa tantos males entendidos, visto que para si o significado é o mesmo.

    Se chama "ter fé" a qualquer crença, então ter fé que a terra é redonda é igual a ter fé que a terra é plana.
    Só que a primeira é uma fé racional, face ao que sabemos, e a segunda não.


    «porque é que o observado é tudo o que pode ser conhecido?»

    Como vai conhecer algo que não esteja já implícito nesta ou naquela premissa, sem que ocorra uma obervação, directa ou indirecta?
    Se apresentar uma forma de conhecer algo (não implícito nas premissas que aceita à partida) que me pareça razoável, o caso muda de figura.

    «Cá está uma outra forma de conhecer para além da sensível... a antiquíssima intuição intelectual... bingo! Ou seja reforça aqui aquilo que afirmo... nem tudo é objectivo e observável, mas isso não implica que não possa ser conhecido.»

    Que disparate!

    Eu dei o exemplo do electrão para falar de algo que é parcialmente observável. A partir daquilo que é observável podemos inferir o que não é. A ciência farta-se de estudar objectos parcialmente observáveis.

    Aquilo que não pode ser conhecido é aquilo que não é observável de todo.

    Claro que o infinito pode ser conhecido, e antes de se observar o condensado de Bose Einstein já se sabia que existia. Mas estes são casos de algo cujo conhecimento parte das premissas que se aceitam, e que portanto já estava implícito nestas premissas.
    Indirectamente, muito antes de se observar o condensado de Bose Einstein, outras observações já or permitiram deduzir a sua existência.


    «Adianto mais que Einstein usou esta intuição para chegar à formula da relatividade sem nunca a observar realmente... neste caso conheceu sem nunca ter observado nada! Só muito mais tarde este conhecimento foi observado empiricamente.»

    Outro exemplo!
    Einstein deduziu a relatividade restrita a partir das equações de Maxwell; mas esta já estava implícita nestas equações e no princípio da relatividade.
    Ele explicitou que essas premissas resultavam naquelas conclusões.

    As equações de Maxwell, por seu lado, foram uma hipótese que surgiu devido a uma série de observações a respeito do electromagnetismo.

    Assim sendo, as observações é que levaram à relatividade restrita. Qaundo Maxwell escrevu as suas equações, a relatividade restrita "estava lá".
    Mas Einstein mostrou-o a todos.

    Sócrates é homem
    Todos os homens são mortais

    Neste conhecimento está implícito o conhecimento de que Sócrates é mortal, mesmo que poucos o consigam "ver" de forma explícita.


    «Para mim não vejo melhor confissão de impotência... »

    Isto é como dizer que o facto do primeiro ministro do Senegal não ser capaz de voar e levantar camiões mostra a sua incompetência.


    «para si a ciencia é completa?»
    Para mim é o melhor método para obter conhecimento, e disso resulta que as crenças dela derivadas são as mais fiáveis.

    Não sei se um dia terá todas as respostas ou não.
    Pode ser que nunca tenha as respostas a todas as perguntas, mas que qualquer que seja a pergunta um dia terá a resposta (não é contraditório: pense numa assímptota); mas pode ser que algumas perguntas nunca encontrem respostas. Não faço ideia.

    O conhecimento que foi obtido até hoje através da ciência ainda não é completo. Não conheço ninguém que acredite que é.

    «o problema é que tudo o que vemos e sentimos é um simulacro cerebral e nada em rigor nos dá boas razões para acreditar que é isso que se passa fora dos nosso cérebros... eu diria mais... da nossa consciência... existirá algo que esteja fora dela?»

    Se ler o debate acima do seu texto verá que estavam a escarnecer do facto de eu encarar essa possibilidade.

    Eu disse que não posso saber que existe sequer o planeta terra, e isto nem sequer foi considerado.

    Mas uma coisa é não poder SABER, e outra é aferir qual é a crença mais razoável.
    Claro que é possível que não exista planeta terra, que existam sereias e dragões, que eu seja um sonho de um marciano ou uma simulação num computador. Tudo isto é possível, mas será igualmente plausível?

    Não me parece, e aqui o teólogo Occam sustenta a minha assunção.

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  44. Nuno:

    Já vi que considera o debate impossível.

    O que é curioso e sintomático, porque é aí mesmo que está uma diferença entre as crenças científicas e as crenças religiosas.

    Sendo as primeiras ancoradas no real, é possível um debate transcultural a seu respeito. A ciência trascende nacionalidade, religião, cultura, faixa etária ou sexo.
    Já a religião é um fenómeno eminentemente cultural. Um fenómeno ancorado em tradições e superstições.
    Daí a dificuldade de diálogo inter-religioso e mesmo intra-religioso. Não é nada de estranhar que exista uma dificuldade de diálogo entre um religioso e um não religioso.

    Se alguém acredita que é o Napoleão, é possível que nada o demova. O diálogo pode mesmo ser inútil.
    Se alguém acredita que é amigo do criador do universo acontece o mesmo: é irrelevante a argumentação.
    Mas é precisamente quando as razões e os argumentos se tornam inúteis que dizemos que estamos perante o irracional.

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  45. Caro Vasco,

    A sua cegueira é de facto impressionante, como é que é possível fazer uma afirmação destas quando a única pessoa que foi incapaz de entrar em debate foi você. Não procurou responder a um único argumento, não fazendo mais do que “gritar” vulgaridades.

    Teria sido um sinal de inteligência se a certo ponto tivesse apenas escutado quem claramente sabia mais que você, e quem sabe, depois, até defender melhor as suas opiniões. Mas não, optou sempre pela resposta imediata e irreflectida, insistindo em ter a última palavra. Pois desta vez não vai ter e por isso peço-lhe as minhas desculpas.

    Tenho muita pena que o Nuno Afonso tenha optado por retirar os seus comentários, mas bem o compreendo. O melhor é mesmo deixar o Vasco falar sozinho.

    ***

    Peço desculpa aos restantes porque vou fechar os comentários neste post. No entanto, vai ser publicado o texto do Nuno Afonso no blog pelo que a discussão pode aí continuar, esperemos que de forma mais elevada.

    Um abraço

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