Homens de um livro só. O fundamentalismo no islã, no cristianismo e no pensamento moderno.
Este é o mais recente livro de Mateus Soares de Azevedo, editado pela editora brasileira Nova Era e até ver não disponível nas livrarias Portuguesas. Mas se há compensações positivas no mundo actual, sem dúvida que a facilidade com que podemos ter acesso ao conhecimento é uma delas.
Este livro aborda um dos temas muito em voga na comunicação social, o fundamentalismo, quase sempre caracterizado como religioso. Fá-lo procurando mostrar que este nasce de um conjunto de distorções que os fundamentalistas, homens maioritariamente influenciados pelos grandes preconceitos do pensamento moderno, fazem da verdadeira religião e dos seus princípios, interpretando-a com uma perversa superficialidade. Para tal, o autor parte de um importante aviso de São Tomás de Aquino, “cuidado com o homem de um livro só.”
As primeiras palavras do livro alertam imediatamente o leitor para o espírito com que este deverá ser lido, afirmando o autor que o primeiro passo a dar para quem queira compreender a natureza e o papel da religião, da tradição que dela deriva, e da espiritualidade do mundo moderno, é a purificação, direi mesmo limpeza intelectual, de grande parte do que é difundido sobre a religião. Esta questão é particularmente grave no caso da tradição islâmica.
Explica-nos Mateus Soares de Azevedo que a grande maioria das organizações que nos vêm sendo apresentadas como islâmicas estão muito longe de o ser, pelo menos se estas forem analisadas correctamente, ou seja, segundo a verdadeira Tradição. Entre estas refere a Al Qaeda, o partido Baath, os revolucionários islâmicos do Irão, os Talibã, e muitos outros, todos verdadeiros representantes de tiranias que apenas usam a religião para os seus fins pessoais e políticos. Cita Mateus as críticas proferidas por Schuon a estes movimentos referindo que combinam, de uma forma monstruosa, o apego à ‘forma’ (não ao espírito) islâmica com ideologias e tendências modernas. Lembra-nos do Corão, “não há imposição em matéria de religião” (2:256). Como podemos confundir uma tradição que profere estas palavras com extremistas políticos que, adoptando posições religiosas superficiais, professam ideologias exclusivistas, formalistas, agressivas e xenófobas, todas misturadas com ideologias políticas modernas.
É precisamente esta total e fatal incoerência que Mateus nos vai revelando, indicando algumas pistas para compreender como se tornou possível, num mundo em plena era de globalização, o agravamento das tensões entre diferentes culturas, fruto de um muito sério empobrecimento intelectual e de uma incapacidade para compreender em profundidade as mensagens tradicionais.
Para explicar um pouco este triste fenómeno, Mateus aborda com maior detalhe a situação que se vive em relação à tradição islâmica, sem dúvida a preferida dos nossos média, apesar de, na realidade, o agravamento destas tensões se verificar igualmente entre outras tradições.
Refere o autor que são três as principais tendências do mundo islâmico: a fundamentalista, a modernista e a tradicional. O Ocidental comum, com a sua reconhecida tendência para confundir o conhecimento com a informação, esta na sua maior parte adquirida sentado em frente a uma caixa de luzes e cores, apenas está informado sobre a primeira.
A segunda existe quer influenciada pelo marxismo, quer influenciada pelo liberalismo. Este modernismo secular já deu os seus frutos, como por exemplo na Turquia, com o erradicar das confrarias místicas e a imposição da ocidentalização dos costumes e das instituições. A tendência fundamentalista é vivida, por exemplo, na Arábia Saudita e no Irão, com resultados ainda mais graves.
O Islão tradicional nada tem de comparável com o fundamentalismo militante, e para o compreender basta apenas regressar à sua Revelação e às palavras do Profeta: “Lutai na via de Deus contra aqueles que vos atacam, mas nunca iniciais as hostilidades. Deus não aprecia os agressores” (Corão 2:296); “A jihad mais excelente é aquela pela conquista do ego”. (hadith)
“Aquilo que hoje é chamado de religião cristã já existia entre os antigos e nunca deixou de existir, desde as origens do género humano até ao tempo em que o próprio Cristo veio, e os homens passaram a chamar de ‘cristã’ a verdadeira religião, que já antes existia”. Com estas palavras de Santo Agostinho avança Mateus Soares de Azevedo num novo tema, as assimetrias entre o Cristianismo e o Islão, alertando que não é possível contemplar e avaliar uma civilização diferente da nossa se insistimos em olhar para ela apenas segundo os nossos parâmetros. Esta foi, e continua a ser, umas das grandes calamidades com que muitos orientalistas e historiadores, munidos do seu método científico, difundiram um conjunto de erros hoje quase impossíveis de contornar e que tornam por vezes impossível a comunicação com pessoas que não tenham sido deles “purificadas”.
O autor apresenta uma breve análise dessas assimetrias, salientando igualmente alguns dos muitos aspectos que apresentam em comum. Em relação às designadas assimetrias, uma das mais importantes será sem dúvida o facto de no Islão existirem duas dimensões bem demarcadas, uma exotérica e outra esotérica. Assim, enquanto que a revelação Islâmica encerra em si uma lei social, a Charia, a lei islâmica, estabelecida no Corão, Jesus não o faz, trazendo consigo apenas um esoterismo. Disto dá como exemplo o facto do sacramento da comunhão Cristã, claramente de dimensão esotérica, em que se compartilha um “banquete eucarístico” e se participa do “corpo” e do “sangue” da Divindade, ser acessível a toda a comunidade. No Islão, a dimensão esotérica reside no Sufismo, onde apenas o muçulmano apto a demonstrar as necessárias qualidades intelectuais e morais pode ser aceite por um mestre espiritual.
Com todo o propósito, o autor continua a sua exposição com a análise das escrituras sagradas destas duas tradições, alertando que não é possível ler a Escritura islâmica partindo da mesma perspectiva que lemos os livros sagrados da tradição judaico-cristã. De facto, diz-nos Mateus Soares de Azevedo, basta pensar que se no Cristianismo o “Verbo fez-se carne”, no Islão o “Verbo fez-se livro”.
O Corão encerra em si, e lado a lado, conhecimento metafísico e código de conduta, a ordem divina e a ordem humana. Assim, enquanto que na Bíblia existe uma apresentação sequencial e estruturada do seu conteúdo, propiciando uma inteligibilidade imediata, o mesmo não sucede com o Corão. Este resulta algo hermético, sendo necessário algumas chaves para o abrir, chaves essas na posse dos sábios e tornadas acessíveis através dos seus comentários inspirados. Mateus relembra uma bela analogia que ouviu de Seyyed Hossein Nasr em que a recepção do Corão se assemelharia à experiência de se estar sentado numa montanha, na obscuridade da noite, a presenciar uma forte trovoada em que os clarões dos raios iluminavam partes da montanha, sem nunca a montanha surgir totalmente revelada.
Para finalizar a sua análise da tradição islâmica, o autor detêm-se na universalidade da sua mensagem, bem como na importância que a sua dimensão esotérica, o Sufismo, tem demonstrado na batalha contra todo o fundamentalismo, defendendo uma profunda e universal visão da tradição trazida pelo Profeta Maomé. Aqui analisa algumas das muitas situações em que as confrarias místicas (turuq) se estabeleceram como principais adversários de várias visões militantes no mundo islâmico.
Nos últimos capítulos do livro, e após eliminar com toda a clareza as ideias falaciosas de que o fundamentalismo resulta das tradições religiosas, mostrando que o seu verdadeiro espírito é precisamente o seu antípode, o autor parte para a difícil tarefa de mostrar como, na realidade, o fundamentalismo existe não apenas na moderna tendência de deturpação e politização da religião, mas também e em grande escala no mundo moderno totalmente secularizado. Fala-nos, assim, do ateísmo, esse feroz fundamentalismo anti-religioso, do marxismo, do nazismo, do estalinismo, do evolucionismo, do cientismo, e ainda da psicanálise freudiana, dedicando algumas páginas à exposição de quem era o verdadeiro Freud e de onde surgiram as suas ideias; tudo não mais do que substitutos da verdadeira religião, ridículas imitações que se vieram a transformar no mais puro reflexo do odioso fundamentalismo.
Em relação a este últimos aspectos saltam-me à memória as potentes palavras de Harry Oldmeadow proferidas na conferência da Sacred Web realizada em Vancouver em 2006, quando falava sobre alguns dos graves equívocos do pensamento moderno, palavras essas que tento reproduzir de seguida: “O modernismo é baseado na ideia de que tudo, todas as pessoas, em todos os lugares, em todo o globo, através de todos os séculos, tudo o que essas pessoas em todos esses lugares e ao longo do tempo disseram acerca da natureza da Realidade está errado; as únicas pessoas que sabem como as coisas realmente são, consistem de um grupo muito pequeno de intelectuais europeus que viveram ao longo dos últimos três ou quatro séculos; eles sabem, eles sabem, mais ninguém sabia e foram eles que finalmente acordaram. Todas essas pessoas acreditavam em Deus, acreditavam na vida depois da morte, acreditavam na primazia do espírito. Todas essas crenças estavam erradas; e sabemos isso porque os homens da bata branca nos disseram. E é isso! (...) É bizarro, é grotesco, é sinistro.” Não é este modernismo um claro exemplo de fundamentalismo?
Não deixem de ler esta obra de Mateus Soares de Azevedo, para quem envio um grande abraço.
Este livro aborda um dos temas muito em voga na comunicação social, o fundamentalismo, quase sempre caracterizado como religioso. Fá-lo procurando mostrar que este nasce de um conjunto de distorções que os fundamentalistas, homens maioritariamente influenciados pelos grandes preconceitos do pensamento moderno, fazem da verdadeira religião e dos seus princípios, interpretando-a com uma perversa superficialidade. Para tal, o autor parte de um importante aviso de São Tomás de Aquino, “cuidado com o homem de um livro só.”
As primeiras palavras do livro alertam imediatamente o leitor para o espírito com que este deverá ser lido, afirmando o autor que o primeiro passo a dar para quem queira compreender a natureza e o papel da religião, da tradição que dela deriva, e da espiritualidade do mundo moderno, é a purificação, direi mesmo limpeza intelectual, de grande parte do que é difundido sobre a religião. Esta questão é particularmente grave no caso da tradição islâmica.
Explica-nos Mateus Soares de Azevedo que a grande maioria das organizações que nos vêm sendo apresentadas como islâmicas estão muito longe de o ser, pelo menos se estas forem analisadas correctamente, ou seja, segundo a verdadeira Tradição. Entre estas refere a Al Qaeda, o partido Baath, os revolucionários islâmicos do Irão, os Talibã, e muitos outros, todos verdadeiros representantes de tiranias que apenas usam a religião para os seus fins pessoais e políticos. Cita Mateus as críticas proferidas por Schuon a estes movimentos referindo que combinam, de uma forma monstruosa, o apego à ‘forma’ (não ao espírito) islâmica com ideologias e tendências modernas. Lembra-nos do Corão, “não há imposição em matéria de religião” (2:256). Como podemos confundir uma tradição que profere estas palavras com extremistas políticos que, adoptando posições religiosas superficiais, professam ideologias exclusivistas, formalistas, agressivas e xenófobas, todas misturadas com ideologias políticas modernas.
É precisamente esta total e fatal incoerência que Mateus nos vai revelando, indicando algumas pistas para compreender como se tornou possível, num mundo em plena era de globalização, o agravamento das tensões entre diferentes culturas, fruto de um muito sério empobrecimento intelectual e de uma incapacidade para compreender em profundidade as mensagens tradicionais.
Para explicar um pouco este triste fenómeno, Mateus aborda com maior detalhe a situação que se vive em relação à tradição islâmica, sem dúvida a preferida dos nossos média, apesar de, na realidade, o agravamento destas tensões se verificar igualmente entre outras tradições.
Refere o autor que são três as principais tendências do mundo islâmico: a fundamentalista, a modernista e a tradicional. O Ocidental comum, com a sua reconhecida tendência para confundir o conhecimento com a informação, esta na sua maior parte adquirida sentado em frente a uma caixa de luzes e cores, apenas está informado sobre a primeira.
A segunda existe quer influenciada pelo marxismo, quer influenciada pelo liberalismo. Este modernismo secular já deu os seus frutos, como por exemplo na Turquia, com o erradicar das confrarias místicas e a imposição da ocidentalização dos costumes e das instituições. A tendência fundamentalista é vivida, por exemplo, na Arábia Saudita e no Irão, com resultados ainda mais graves.
O Islão tradicional nada tem de comparável com o fundamentalismo militante, e para o compreender basta apenas regressar à sua Revelação e às palavras do Profeta: “Lutai na via de Deus contra aqueles que vos atacam, mas nunca iniciais as hostilidades. Deus não aprecia os agressores” (Corão 2:296); “A jihad mais excelente é aquela pela conquista do ego”. (hadith)
“Aquilo que hoje é chamado de religião cristã já existia entre os antigos e nunca deixou de existir, desde as origens do género humano até ao tempo em que o próprio Cristo veio, e os homens passaram a chamar de ‘cristã’ a verdadeira religião, que já antes existia”. Com estas palavras de Santo Agostinho avança Mateus Soares de Azevedo num novo tema, as assimetrias entre o Cristianismo e o Islão, alertando que não é possível contemplar e avaliar uma civilização diferente da nossa se insistimos em olhar para ela apenas segundo os nossos parâmetros. Esta foi, e continua a ser, umas das grandes calamidades com que muitos orientalistas e historiadores, munidos do seu método científico, difundiram um conjunto de erros hoje quase impossíveis de contornar e que tornam por vezes impossível a comunicação com pessoas que não tenham sido deles “purificadas”.
O autor apresenta uma breve análise dessas assimetrias, salientando igualmente alguns dos muitos aspectos que apresentam em comum. Em relação às designadas assimetrias, uma das mais importantes será sem dúvida o facto de no Islão existirem duas dimensões bem demarcadas, uma exotérica e outra esotérica. Assim, enquanto que a revelação Islâmica encerra em si uma lei social, a Charia, a lei islâmica, estabelecida no Corão, Jesus não o faz, trazendo consigo apenas um esoterismo. Disto dá como exemplo o facto do sacramento da comunhão Cristã, claramente de dimensão esotérica, em que se compartilha um “banquete eucarístico” e se participa do “corpo” e do “sangue” da Divindade, ser acessível a toda a comunidade. No Islão, a dimensão esotérica reside no Sufismo, onde apenas o muçulmano apto a demonstrar as necessárias qualidades intelectuais e morais pode ser aceite por um mestre espiritual.
Com todo o propósito, o autor continua a sua exposição com a análise das escrituras sagradas destas duas tradições, alertando que não é possível ler a Escritura islâmica partindo da mesma perspectiva que lemos os livros sagrados da tradição judaico-cristã. De facto, diz-nos Mateus Soares de Azevedo, basta pensar que se no Cristianismo o “Verbo fez-se carne”, no Islão o “Verbo fez-se livro”.
O Corão encerra em si, e lado a lado, conhecimento metafísico e código de conduta, a ordem divina e a ordem humana. Assim, enquanto que na Bíblia existe uma apresentação sequencial e estruturada do seu conteúdo, propiciando uma inteligibilidade imediata, o mesmo não sucede com o Corão. Este resulta algo hermético, sendo necessário algumas chaves para o abrir, chaves essas na posse dos sábios e tornadas acessíveis através dos seus comentários inspirados. Mateus relembra uma bela analogia que ouviu de Seyyed Hossein Nasr em que a recepção do Corão se assemelharia à experiência de se estar sentado numa montanha, na obscuridade da noite, a presenciar uma forte trovoada em que os clarões dos raios iluminavam partes da montanha, sem nunca a montanha surgir totalmente revelada.
Para finalizar a sua análise da tradição islâmica, o autor detêm-se na universalidade da sua mensagem, bem como na importância que a sua dimensão esotérica, o Sufismo, tem demonstrado na batalha contra todo o fundamentalismo, defendendo uma profunda e universal visão da tradição trazida pelo Profeta Maomé. Aqui analisa algumas das muitas situações em que as confrarias místicas (turuq) se estabeleceram como principais adversários de várias visões militantes no mundo islâmico.
Nos últimos capítulos do livro, e após eliminar com toda a clareza as ideias falaciosas de que o fundamentalismo resulta das tradições religiosas, mostrando que o seu verdadeiro espírito é precisamente o seu antípode, o autor parte para a difícil tarefa de mostrar como, na realidade, o fundamentalismo existe não apenas na moderna tendência de deturpação e politização da religião, mas também e em grande escala no mundo moderno totalmente secularizado. Fala-nos, assim, do ateísmo, esse feroz fundamentalismo anti-religioso, do marxismo, do nazismo, do estalinismo, do evolucionismo, do cientismo, e ainda da psicanálise freudiana, dedicando algumas páginas à exposição de quem era o verdadeiro Freud e de onde surgiram as suas ideias; tudo não mais do que substitutos da verdadeira religião, ridículas imitações que se vieram a transformar no mais puro reflexo do odioso fundamentalismo.
Em relação a este últimos aspectos saltam-me à memória as potentes palavras de Harry Oldmeadow proferidas na conferência da Sacred Web realizada em Vancouver em 2006, quando falava sobre alguns dos graves equívocos do pensamento moderno, palavras essas que tento reproduzir de seguida: “O modernismo é baseado na ideia de que tudo, todas as pessoas, em todos os lugares, em todo o globo, através de todos os séculos, tudo o que essas pessoas em todos esses lugares e ao longo do tempo disseram acerca da natureza da Realidade está errado; as únicas pessoas que sabem como as coisas realmente são, consistem de um grupo muito pequeno de intelectuais europeus que viveram ao longo dos últimos três ou quatro séculos; eles sabem, eles sabem, mais ninguém sabia e foram eles que finalmente acordaram. Todas essas pessoas acreditavam em Deus, acreditavam na vida depois da morte, acreditavam na primazia do espírito. Todas essas crenças estavam erradas; e sabemos isso porque os homens da bata branca nos disseram. E é isso! (...) É bizarro, é grotesco, é sinistro.” Não é este modernismo um claro exemplo de fundamentalismo?
Não deixem de ler esta obra de Mateus Soares de Azevedo, para quem envio um grande abraço.
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