Para já ficamos com trechos de mais um texto que será incluído na revista. Trata-se de um trabalho de Timothy Scott, originalmente publicado na publicação periódica Vincit Omnia Veritas 1.2, 2005, com o título “ A brief introduction to the “Traditional Doctrine of Art”.
A primeira coisa que nos impressiona numa obra-prima de arte tradicional é a inteligência: uma inteligência surpreendente, quer pela sua complexidade, quer pelo ser poder de síntese; uma inteligência que envolve, penetra e eleva. (Marco Pallis)
A arte tradicional deriva de uma criatividade que combina inspiração celeste com engenho étnico, de um modo que se assemelha a uma ciência dotada de regras e não por meio de improvisação. (Frithjof Schuon)
A arte sagrada é criada como um veículo para presenças espirituais, é criada simultaneamente para Deus, para os anjos e para o homem; a arte profana, por outro lado, existe apenas para o homem e, por conseguinte, atraiçoa-o. (Frithjof Schuon)
Quando se analisa a doutrina ou o entendimento tradicional da arte, é fundamental começar por dissipar qualquer confusão entre o termo “tradicional” e o simples “conservadorismo,” ou com o próprio termo “clássico”, em qualquer sentido escolástico. Aquilo que temos em mente não é um período classificável da “história da arte,” tal como possa ser interpretado nos meios académicos. A Tradição a que nos referimos é, em primeiro lugar, a sabedoria primordial, a Verdade imutável e sem forma, a essência supra-formal que enforma a criação; em segundo lugar, é o corpo formal da Verdade sob uma determinada aparência mitológica ou religiosa, o qual é transmitido ao longo do tempo. Marco Pallis considerou este segundo aspecto da tradição como “uma comunicação efectiva de princípios com origem supra humana (…) através do recurso a formas que terão surgido pela aplicação desses princípios a necessidades contingentes.”
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A arte tradicional é inspirada pelo Divino. Não é, assim, “auto-expressão”, no sentido corrente do termo. A arte tradicional é anónima. Isto não quer dizer que desconhecemos os nomes dos artistas cujo trabalho consideramos inspirado e tradicional, mas que os próprios artistas não reclamariam “direitos” sobre o trabalho. Pelo contrário, era dito que eles estavam na “posse da sua arte”, no sentido de se encontrarem possuídos ou presididos pela arte. Segundo Coomaraswamy, “a posse de qualquer arte é uma participação. Adicionalmente, a posse da arte é uma vocação e uma responsabilidade; não ter uma vocação é não ter lugar na ordem social ou ser inferior ao homem.”
Refere Titus Burckhardt, islamólogo, comentador de arte e editor do Book of Kells, que, em pleno contraste com este sentido de anonimato,
grande parte do critério de estética do estudo moderno da arte deriva da Grécia clássica e da arte pós-medieval. Apesar de todos os seus desenvolvimentos ao longo do tempo, este sempre considerou o indivíduo como o verdadeiro criador de arte. Deste ponto de vista, um trabalho é “artístico” na medida em que mostre a marca de uma individualidade.
No estudo moderno da arte, como comenta Coomaraswamy, “ficamos perplexos com a possibilidade de substituir o conhecimento da arte por um conhecimento de biografias.”
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(…) Schuon comenta que a arte tradicional está essencialmente preocupada com uma expressão daquilo que está para além do tempo, ao invés de com a expressão de um determinado “período”: “Uma arte que não expresse o imutável e que não pretenda ser imutável não é uma arte sagrada.” Isto não implica negar o génio étnico. Afirma Schuon que “um estilo exprime a espiritualidade e o génio étnico, e estes dois factores não podem ser improvisados.”
A partir da Renascença, e do denominado “iluminismo” que daí adveio, surgiu a concepção humanista da arte com a sua “mania” pela novidade, a qual seria mais tarde renomeada de “originalidade.” Nos mundos tradicionais, estar situado no espaço e no tempo é estar situado numa cosmologia e numa escatologia, respectivamente. A estação e o tempo são simbolizados pelo centro e pela origem, respectivamente, e é para estes que a arte tradicional aponta. Assim, a arte tradicional guia-nos para um crescente sentido de unidade. A “originalidade” moderna, por outro lado, é uma fuga para uma cada vez mais redutora individualidade que apenas pode acabar no absurdo e no bizarro, no anormal e no monstruoso, e, por fim, no surrealismo. Para Oldmeadow, a “libertação da Renascença” acabou no grotesco trabalho de um Dali.”
Aqui podemos admitir que, tal como o fez St. Agostinho, “algumas pessoas gostam de deformidades.” Mas a beleza da arte sagrada não depende do nosso reconhecimento. A “arte”, de acordo com a tradição hindu, “é expressão tornada forma pela beleza ideal (rasa).” Para Platão, “nada torna algo belo excepto a presença e a participação da Beleza, qualquer que seja a forma obtida (…) Através da Beleza todas as coisas se tornam belas.” De acordo com a tradição, o profeta Maomé terá declarado que “Deus é belo e ama a beleza.” Adicionalmente, como indica S. Tomás de Aquino, “a Beleza está relacionada com a faculdade cognitiva.” De modo semelhante, o monge e pintor chinês Tao-chi refere que, “as obras dos mestres antigos são instrumentos de conhecimento.” A arte tradicional participa no Ideal supra-formal de Beleza. Não somos nós que julgamos a arte, é ela que nos julga a nós.
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Numa análise final, a arte Tradicional pode ser assim resumida: Deus, ao criar o Universo, é o Artista Divino. O ser humano é feito à imagem de Deus. Assim, tudo o que fazemos é um acto de criação e uma obra de arte. A arte Divina é a criação do humano; a arte do humano é, como uma imagem reflexa, a “criação” ou o reconhecimento do Divino. Este é o propósito e o fim da humanidade. Toda a arte é estritamente uma ciência e um ofício. Na sua forma mais elevada é a ciência e o ofício do Belo, o Ideal ou princípio de toda a beleza. O seu propósito é sempre o retorno do humano à Origem através de contemplação, meditação e acção, que encontram a sua perfeição na participação.
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