Esta publicação resulta de uma muita generosa dádiva enviada por um dos nossos amigos do outro lado do Atlântico, Alberto Vasconcellos Queiroz, que é fundador, conjuntamente com Mateus Soares de Azevedo, de um projecto já aqui mencionado por diversas vezes, a editora Sapientia.
Esta sua partilha, que vamos mencionar mais à frente, permite-nos abordar um aspecto menos conhecido de um dos maiores expositores da Sabedoria Perene, Frithjof Schuon. Referimo-nos ao facto deste, para além de encarnar nos nossos tempos aquilo que podemos imaginar terem sido os grandes sábios de tempos imemoriais, ter sido um grandioso artista e, nos últimos três anos da sua vida, um extraordinário e prolífero poeta, escrevendo cerca de 3500 curtos poemas na sua língua materna, o alemão.
Nas palavras de William Stoddart, esta torrente de poemas “cobre todos os aspectos possíveis da doutrina metafísica, do método espiritual, das virtudes, bem como do papel e função da beleza… exibem uma incrível sagacidade, profundidade, compreensão e compaixão. Eles são a sua dádiva final para o mundo, o seu testamento e o seu legado.” Ainda segundo a opinião deste autor amplamente autorizado para falar da obra de Schuon, o principal tema destes poemas “é a oração confiante a um Deus todo-misericordioso e a benevolência para com os homens de boa vontade. Acima de tudo, os poemas são instrumentos de instrução e, como tal, uma poderosa propulsão para o interior.” Patrick Laude diz-nos, ainda, que o esoterismo quintessencial que Schuon expõe tem as características da simplicidade da verdade pura, e que é esta simplicidade que os seus poemas transmitem, oferecendo uma “destilação musical do elixir da sabedoria”.
É precisamente esta sua vertente de poeta que temos o prazer de dar a conhecer através de alguns versos traduzidos por Alberto Queiroz. Tratam-se de composições poéticas pertencentes à colecção de poemas ingleses, escritos antes da 'explosão' na sua língua materna, e que são, também eles, verdadeiras pérolas de ‘sabedoria destilada’. Diz-nos o tradutor que a tradução de poesia é algo extremamente complexo e que estas traduções, efectuadas há vários anos, foram até hoje fruídas apenas por um núcleo muito restrito de amigos. Por esta razão, é imensa a nossa gratidão para com o tradutor, e é grande a esperança que os nossos leitores possam, tal como nós, sentir a fragrância, recorrendo às palavras de Alberto Queiroz, do remoto perfume do original.
* - Nome dado à colecção de poemas ingleses escrita por Frithjof Schuon.
Regina Coeli
És mais que um Símbolo, estás perto
De mim como o sangue e o coração; é certo,
És o ar que me faz viver, que puro e sábio me faz;
Doce e terno ar que o paraíso me traz.
És mais que as palavras que de ti falam,
E mais que as músicas sacras que embalam
Nosso louvor a Ti. Meu êxtase te pertencia
Mesmo antes de Deus criar a vinha.
Diga ‘Sim’
Diga ‘sim’ a Deus, Deus a ti dirá ‘sim’:
Da Porta do Céu, eis a chave dourada.
Na terra, não me ocupa minha estrada,
Ela pode ser longa:
Curta é a Estrada de Deus a mim.
Grandeza
Perguntas-me o que é grandeza: um valor
Do homem não é, mas do Criador.
Nosso cor deve saber antes que seja tarde
Só nossa consciência de Deus tem tal qualidade.
Há uma só consciência d’Ele, veja bem.
A mil espelhos a única Luz se oferta.
A contingência é sonho, mas a Verdade é certa:
Sê o que és, não perguntes quem é quem.
Memento
Sabes que não podes mudar o mundo;
Renuncia a ele, deixas as coisas serem o que devem ser.
Certas coisas podemos mudar, outras não;
Em todo destino há algo a aprender.
Não esqueças: existe um Sumo Bem
Cujo Amor pode vencer a Fatalidade.
A razão é que o som mais profundo do Ser
Vem da harpa da pura Felicidade.
Liberdade
Sentes que o mundo terreno é triste,
Mas tal tristeza chorar não devias;
Não digas que é mau o mundo que existe…
Pois a toda sombra a hora final soa
E é infinda a alegria oculta nas coisas;
A vida é às vezes dura, mas a alma voa.
Contempla a dupla face da existência:
De um lado está o ferro, mas do outro o ouro vive.
Devias ver a felicidade que é tua essência,
E então saberias: Deus a fez pura e livre.
Omega
Da Infinitude dar uma imagem finita:
Em toda poesia esta intenção habita.
Toda obra humana a um limite final se inclina;
Seu arquétipo, no Céu, nunca termina.
Da Arte e da Beleza, qual a razão?
Mostrar o rumo do mais fundo Coração.
O canto de um pássaro do Céu surgia;
O mundo fora um sonho; era eu a melodia.
Símbolo
O Símbolo devias trazer em teu peito
E no Símbolo devias sempre morar;
Ele é um tesouro, e um abrigo,
E uma arma, e um barco a nos salvar.
Ele é uma Graça divina que nos dá vida;
Em tal Graça, não te podes perder.
E saiba, tu também és o Símbolo e
O Sinal de Deus, ou não pod’rias ser.
Ápice
Qual foi o maior instante em nossa vida?
Qual a maior felicidade, em que evento?
Terá sido um dia de glória, ou de amor?
Quando com gente santa passamos um momento?
Deve ter sido o dia em que encontramos Deus.
Ele entrou no tempo, não se sabe como. Mas, ora,
O tempo está sempre aí, e Deus é perto.
E assim, o ápice de nossa vida é agora.
Esses belíssimos versos vêm mostrar que a poesia encontra-se nesta fase de abandono e esquecimento porque, em nossos dias, perdeu o sentido profundo do qual, mais do que qualquer outra arte, ela é a manifestação.
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