quinta-feira, 31 de março de 2011

Natureza e "Nova Era"

O texto do Prof. Seyyed Hossein Nasr que constará no terceiro número da Revista Sabedoria Perene, já apresentado, inclui alguns comentários relavantes sobre os movimentos "Nova Era". Pela pertinência dos mesmos, aqui fica o destaque.

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(...) Não é concedida qualquer objectividade à realidade da natureza percebida através do conhecimento religioso. É por isto que até o simbolismo se tornou subjectivizado – é reivindicado como sendo “meramente” psicológico, à la Jung. Todos os símbolos que o homem tradicional via no mundo da natureza como sendo objectivos e como sendo parte da realidade ontológica da natureza foram postos de parte por este tipo de mentalidade que já não leva a sério o conhecimento religioso da natureza.

Durante estes últimos trinta anos, quando se fez sentir a sede por uma aproximação mais holística à natureza, algo ainda pior aconteceu, pois nem a religião convencional nem a ciência moderna mostraram qualquer interesse no conhecimento religioso e simbólico da natureza e numa aproximação holística. A procura de água para esta sede infiltrou-se sob as estruturas da cultura ocidental e surgiu na forma de movimentos “Nova Era”, dos quais praticamente todos estão muito interessados na ciência do cosmos. Mas o que estes movimentos reivindicam como ciência é na realidade uma pseudo-ciência da “Nova Era” do cosmos. Não é uma ciência tradicional autêntica, porque a ciência tradicional do cosmos tem que estar relacionada com a estrutura religiosa tradicional. Neste clima da “Nova Era”, a palavra “cósmico” ganhou uma grande prevalência precisamente devido à escassez de um conhecimento religioso autêntico do cosmos no mundo actual. De algum modo a sede tinha de ser satisfeita. Assim ocorreu a escavação dos ensinamentos esotéricos ocidentais sobre a natureza – geralmente apresentados de modo distorcido – ou empréstimos das religiões orientais e dos seus ensinamentos sobre a natureza, muitas vezes distorcidos. Nem mesmo o famoso e influente livro de Fritjof Capra, O Tao da Física, fala verdadeiramente de cosmologia hindu ou de física chinesa, mas apenas menciona certas comparações entre a física moderna e ideias metafísicas hindu e taoistas.

Certamente que existem muitas e profundas correlações e concordâncias para serem encontradas entre certos aspectos da biologia, da astronomia e da física quântica, de um lado, e as doutrinas orientais da natureza, do cosmos, do outro lado. Eu seria a última pessoa a duvidar desta verdade. Mas o que quase sempre ocorreu não foi o tipo de comparação profunda que temos em mente, mas a sua paródia, um tipo de versão popularizada de um conhecimento religioso da natureza, que habitualmente envolve algum tipo de ocultismo ou mesmo algum tipo de culto existente. O grande e visível interesse pelo xamanismo na América, e pelo fenómeno integral da tradição dos índios americanos (a qual é uma das maiores e mais belas tradições primordiais que ainda sobrevive até certo ponto), com sessões xamânicas de fim-de-semana, deve-se precisamente ao facto de que tais ensinamentos apelam a um tipo de mentalidade que procura alguma forma de conhecimento da natureza com carácter espiritual e holístico, para além daquele que a ciência moderna oferece. Este fenómeno é um dos paradoxos dos nossos dias e não ajudou a crise ambiental em nenhuma maneira apreciável. Na verdade, criou uma certa confusão no domínio da religião e criou um vazio entre as organizações religiosas convencionais que ainda sobrevivem no ocidente – sejam elas católica, protestante ou ortodoxa – e estes pseudo-movimentos e o fenómeno “Nova Era”, contra os quais aquelas organizações se opõem justamente. O facto destes movimentos pseudo-religiosos serem muito pró-ambiente, ainda que de uma maneira ineficiente, provocou que muitas das pessoas comuns adoptassem uma postura contrária às posições que deveriam defender. Assim temos, na América, a situação paradoxal de que os grupos de cristãos mais conservadores são os menos interessados no ambiente. Este fenómeno não foi originalmente causado pelo surgimento das religiões “Nova Era”, mas está certamente relacionado com e é fortalecido por elas.

2 comentários:

  1. Como vai nuno eu estou começando a ter contato com a sabedoria perene lamento não te-la conhecido a mais tempo acho que isso me teria reconciliado com o saber profundo que até a pouco admiti como inútil por ser segmentado em porcões herméticas. se estou entendendo bem sabedoria perene e justamente buscar ligações entre esses vários segmentos herméticos isso exige alem de um grande esforço de compreensão o domínio de uma massa grade de informação. me ocorreu a ideia de em um futuro o trabalho de sabedoria perene ser feito nos moldes do Wikipedia, com textos lincados, onde o viajante avido por conhecimento perene navegue de link em link a placando sua cede de conhecimento perene.

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  2. Caro Gabriel,

    Obrigado pelo seu comentário e por suas palavras.

    A sabedoria perene é de facto apaixonante. Ela é um tipo de sabedoria "incriada", o que significa que a sua apreensão depende, não tanto da compreensão e do domínio de uma massa grande de informaçao por intermédio de operações racionais ou "cerebrais", mas mais da intuição intelectual ou intelecção que é operada no "coração" (o orgão do Intelecto).

    Não sei se você está familiarizado com a distinção entre razão e Intelecto. Este e outro tipo de distinções fundamentais são tão interessantes quanto importantes. Posso talvez sugerir a leitura de um texto que aborda o assunto, e que está incluído no primeiro número da Revista Sabedoria Perene: "Religião, Ortodoxia e Intelecto" (p. 139-146).

    Melhores cumprimentos,
    Nuno Almeida

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