Devemos um pedido de desculpas aos leitores do Sabedoria Perene. Criámos expectativas para a publicação do terceiro número da revista Sabedoria Perene, o que ainda não aconteceu. Na verdade temos esse número integralmente preparado, mas infelizmente fomos obrigados a interromper a sua revisão final por estarmos num momento de quase total indisponibilidade. Espero que nos possam desculpar e deixamos a promessa de concluir este trabalho assim que nos for possível.
Entretanto, e como ainda temos vários artigos da revista para apresentar, deixo-vos para já o trecho inicial do curto mas extraordinário texto de Frithjof Schuon sobre a tradição dos índios da América do Norte e a sua relação com a natureza, traduzido por Noémia Silva. Este texto foi traduzido a partir do livro publicado pela Word Wisdom, “The Feathered Sun – Plain Indians in Art and Philosophy”.
Toda a tradição dos índios da América do Norte, excepto os do Noroeste, Califórnia e alguns do Sudoeste, está contida, do ponto de vista do simbolismo geométrico, na cruz inscrita no círculo: o círculo corresponde ao Céu, enquanto que a cruz indica as quatro direcções do espaço e todos os demais quaternários do Universo; indica igualmente o ternário vertical Terra – Homem – Céu, o que coloca o quaternário horizontal em três níveis. Pode ainda dizer-se que a sabedoria dos índios peles-vermelhas baseia-se, simbolicamente falando, nos números “pitagóricos” quatro e três – o primeiro “horizontal” e o segundo “vertical” – e na sua combinação, o número doze. Esta “duodecimidade” deve ser visualizada como composta de três quaternários horizontais, dispostos uns sobre os outros ao longo de um eixo central ou, mais precisamente, de três discos, em cada um dos quais se encontra a cruz horizontal das quatro direcções. Estes três níveis são por vezes representados sob a forma de três anéis pintados na árvore da Dança do Sol.
No simbolismo da cruz e do círculo, o círculo estático e espacial da terra combina com o círculo dinâmico e temporal do dia ou do céu: o círculo pode ser o horizonte com os quatro pontos cardinais se inclui a cruz, ou pode ser o curso do sol com o amanhecer, o dia, o entardecer e a noite, ou o ano com a Primavera, o Verão, o Outono e o Inverno.
E isto é muito importante: o homem é o centro, tanto das quatro direcções horizontais do espaço, como do ternário vertical da hierarquia cósmica; em relação a este último aspecto, ele é identificado com a Vida e é o mediador entre a Terra “sob os seus pés” e o Céu “por cima da sua cabeça”, ou entre a inércia e a luz. Em relação ao primeiro aspecto, ele é a Inteligência na qual os quatro cantos são reflectidos e unidos, e ele é, assim, identificado com o eixo cósmico, a árvore do mundo. Ele é o Calumet que une todos os seres vivos numa única oração e, ao mesmo tempo, o Fogo central que marca o centro do mundo e, ainda (o que significa o mesmo), a brasa que transforma o tabaco em fumo ou a Terra em Céu. O homem está duplamente “no centro”, primeiro no plano horizontal, como Inteligência e porta-voz de todas as criaturas terrestres (fragmentárias em relação a ele), e segundo no eixo vertical como mediador: nele se encontram a Terra e o Céu, e nele são sintetizadas as possibilidades essenciais no seu plano de existência.
Se a cabeça humana corresponde ao Céu e os pés representam a Terra, a região do umbigo ou do útero representa o Homem. O Homem é o espírito encarnado; se fosse só matéria, ele identificar-se-ia com os pés; se fosse só espírito, ele seria a cabeça, isto é, o Céu; ele seria o Grande Espírito. Mas o objectivo da sua existência é estar no centro: é transcender a matéria enquanto permanece nela, e compreender a luz, o Céu, a partir deste nível intermediário. É verdade que as outras criaturas também participam na vida, mas o homem sintetiza-as: ele carrega toda a vida em si mesmo e, por essa razão, torna-se o porta-voz de toda ela, o eixo vertical onde a vida se abre ao espírito e onde se converte em espírito. Em todas as criaturas terrestres a inércia fria da matéria converte-se em calor, mas somente no homem o calor é convertido em luz.
Dissemos que as criaturas inferiores são fragmentárias; mas elas não têm apenas este aspecto “acidental” que permite ao homem matá-las e usá-las para nutrição, elas têm também um aspecto “essencial”, devido ao seu simbolismo concreto por um lado, e à sua “anterioridade” por outro: criadas antes do homem, elas podem manifestar algo da Origem Divina, e é este aspecto que apela por vezes à sua veneração; é em virtude deste aspecto transcendente que o Grande Espírito prontamente se manifesta – no mundo dos índios – através de animais e plantas, e mesmo através dos grandes fenómenos da Natureza, como o sol, a rocha, o céu ou a terra. A manifestação múltipla do Grande Espírito, do ponto de vista do simbolismo e da acção celestial, equivale ao Grande Espírito; as coisas não são mistérios em si mesmas, mas sim manifestações de mistérios, e o Grande Espírito, ou o Grande Mistério, sintetiza-as na Sua Unidade transcendente.
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