quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Três revoluções, três papas e a “nova” Igreja [1] - Parte 3/3

por Mateu Soares de Azevedo

(parte 2/3)


Joseph Ratzinger (Bento XVI)

Apesar de ter sido o braço direito de Woityla por um quarto de século, como prefeito da congregação da doutrina da fé no Vaticano, pode-se ainda dizer que a figura de Ratzinger e suas idéias não são suficientemente conhecidas. Seu ideário, contudo, pode ser bem compreendido prestando atenção às suas próprias palavras. Nos anos 1950, sua tese de habilitação ao seminário de Freising, na Alemanha, foi recusada por "falta de rigor teológico", suspeita de "heterodoxia neo-modernista" e por "subjetivizar o conceito de Revelação". Na autobiografia La Mia Vita, criticou a principal escola teológica católica, a tomista, como "fechada em si mesma, impessoal e pré-fabricada".

No livro Princípios de Teologia Católica, elogiou "o impulso dado por Teilhard de Chardin", cuja "ousada visão incorporou o movimento histórico do Cristianismo ao processo cósmico da evolução". Vê-se, assim, que a influência do jesuíta francês continua forte. Bento XVI citou-o novamente na sua primeira homilia de Páscoa como papa, em abril de 2006: “A ressurreição de Cristo é algo diferente: se tomarmos emprestada a linguagem da teoria da evolução, trata-se da maior das mutações, o salto mais crucial rumo a uma dimensão totalmente nova...” O espírito da fala, desnecessário realçar, é completamente teilhardiano.

Na mesma obra, escreveu que "a Verdade se torna função do tempo... Fidelidade à verdade de ontem consiste em abandoná-la e assumi-la na verdade de hoje." Na missa Pro eligendo pontífice, contudo, rezada por ele um dia antes de ser eleito pelos cardeais, descreveu a "ditadura do relativismo" como "o problema central da fé hoje ". O problema é que o cerne do relativismo é justamente a idéia de que nada é definitivo e que a verdade depende da história ou da classe social. A este respeito, Aristóteles afirmou: "Aqueles que declaram que tudo, inclusive a verdade, segue um fluxo constante se contradizem, pois, se tudo muda, sobre qual base podem formular uma afirmação válida?"

Em palestra em Subiaco, Itália, em 1o de abril de 2005, sustentou que "o Iluminismo é de origem cristã e não é acidente que tenha nascido no âmbito da fé ... O concílio Vaticano II enfatizou mais uma vez esta profunda correspondência entre Cristianismo e Iluminismo."

O paradoxal nesta tentativa de apropriação, pelo chefe da nova Igreja, da "glória do Iluminismo" é que este se destacou, como é bem sabido, por um marcado sentimento anti-religioso. Um dos "papas" do Iluminismo, o francês Diderot (1713-1784), editor da célebre Enciclopédia, acalentava a idéia de "enforcar o último Rei nas tripas do último Papa." Oxalá a “correspondência profunda” não chegue a tanto...

Comparado com seus antecessores imediatos, Ratzinger inaugura um novo conceito e fase. A simples escolha do nome já diz muito. Ele não quer ser nem um João Paulo III, nem um Paulo ou um João a mais. Tampouco um Pio, cujo nome indicaria repúdio ao modernismo, definido por Pio X (1903-14) como a “síntese de todas as heresias”. O modelo para o qual aponta é Bento XV (1914-22), papa conciliador. Desta maneira, pode-se especular que ele almejará conciliar tradição e revolução – como se fosse possível ‘conciliar’ a verdade com o erro.

De fato, suas ações apontam na direção da correção dos “excessos” conciliares e pós-conciliares. Ao mesmo tempo, busca um acordo entre contrários, de onde a inevitável ambigüidade. No Washington Times (30/9/2003) informou que era um teólogo radical durante o concílio, mas agora é visto como conservador. Sua Santidade disse que como o mundo tendeu tanto para a esquerda, mesmo um progressista de suas convicções parece conservador. Em La Croix (28/12/2001) esclareceu ser um representante da nova Igreja que não crê em “retorno à tradição”.

Seja como for, o cerne da questão é que Ratzinger enfrenta agora os efeitos perversos longínquos da revolução que ajudou a fomentar no passado. Quer limitar ou abolir as conseqüências destrutivas das inovações. Mas limita-se aos efeitos. Visa os “excessos”, não a raiz do que ele mesmo denominou “auto-demolição” da Igreja. Sua agenda, assim, aponta para uma intrincada “concertação”. Conseguirá ser bem sucedido nesta tarefa de Hércules? Ou se engajará numa obra de Sísifo? [5]

*

[1] Uma versão deste ensaio foi publicada em inglês, como capítulo do livro “Men of a Single Book: Fundamentalism in Islam, Christianity and Modern Thought” (World Wisdom, 2010).

[5] Devo a Rama Coomaraswamy e ao seu “The Destruction of the Christian Tradition” (World Wisdom, 2009, páginas 436-37) a maior parte das citações aqui reproduzidas de Bento 16. Acima de tudo, sou grato a William Stoddart pelas informações preciosas fornecidas em dois livros recentes: “What Do the Religions say about Each Other?” (Sophia Perennis, 2008) e “Invincible Wisdom” (Sophia Perennis, 2008).

3 comentários:

  1. Depois de ler este informativo texto, com citações precisas e altamente reveladoras, só me resta concluir que os envolvidos não são mais do que impostores, que usam o nome de 'cristãos' para melhor ludibriar os fiéis. Ao invés de fazerem o que juraram solenemente, ou seja, defender a igreja e o depósito de verdade e salvação que receberam do próprio Jesus Cristo, estes "lobos em pele de cordeiro" estão fazendo exatamente o oposto: solapam a mensagem do Alto disfarçando-se de anjos da luz a partir do interior da própria cidadela da religião. Somente a superficialidade e a mundanidade de parte significativa dos católicos explica sua passividade diante dessa obra de destruição. "Pelos frutos se conhece a árvore", ensina o Cristo: quem há de negar que os "frutos" do concílio Vaticano Segundo são maus?


    José Carlos Rodrigues, S. Paulo, Brasil.

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  2. Muito bem, concedamos que o autor tenha razão no essencial, mas o que dizer então da promessa de Cristo de que 'as portas do inferno não prevalecerão contra a minha igreja'? Ou seja, que os poderes das trevas não vencerão? Como encaixar então esta promessa com a tese exposta no ensaio?

    Fábio Luque
    Santos, SP

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  3. http://sabedoriaperene.blogspot.com/2010/11/questao-da-promessa-divina-de-protecao.html

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