Quando se fala de esoterismo cristão, pode tratar-se de três coisas:
Em primeiro lugar, pode ser a Gnose Cristã, baseada na pessoa, nos ensinamento e dons do Cristo, beneficiando-se ocasionalmente de conceitos platônicos, um processo que em metafísica não tem nada de irregular.[1]
Esta gnose se manifestou em particular, apesar de que de maneira bem desigual, em escritos como os de Clemente de Alexandria, Orígenes, Dionísio o Areopagita — o teólogo ou o místico, se se prefere — Scotus Erigena, Mestre Eckhart, Nicolau de Cusa, Jacó Böehme e Angelus Silesius.[2]
Em segundo lugar, pode se tratar de algo completamente diferente, qual seja, o esoterismo greco-latino – ou próximo-oriental – incorporado ao Cristianismo: pensamos aqui acima de tudo no Hermetismo e nas iniciações de ofício. Neste caso, o esoterismo é mais ou menos limitado ou mesmo fragmentário, ele reside mais no caráter sapiencial do método – hoje perdido – do que na doutrina e no objetivo; a doutrina era principalmente cosmológica, e consequentemente o objetivo não transcendia os “Pequenos Mistérios”, ou a perfeição horizontal, ou a perfeição “primordial”, se nos referimos às condições ideais da “Idade de Ouro”. Seja como for, este esoterismo cosmológico ou alquímico cristianizado – “humanista” num sentido ainda legítimo, posto que se tratava de restaurar ao microcosmo a perfeição de um macrocosmo sempre em conformidade com Deus – era essencialmente vocacional, dado que nem uma ciência, nem uma arte podem ser impostas a todo mundo; o homem escolhe uma ciência ou uma arte por razões de afinidade e qualificação, e não a priori para salvar sua alma. A salvação sendo garantida pela religião, o homem pode, a posteriori, e sobre esta base mesma, explorar seus dons e suas ocupações profissionais, e é mesmo normal ou necessário que ele deva fazê-lo quando uma ocupação ligada a um esoterismo alquímico ou artesanal se imponha a ele por um motivo qualquer.
Em terceiro lugar, e mesmo antes de tudo, e deixando de lado toda consideração histórica ou literária, podemos e devemos entender por “esoterismo cristão” a verdade pura e simples – verdade metafísica e espiritual – na medida em que ela é expressada ou manifestada mediante os dogmas, rituais e outras formas do Cristianismo. Formulado em sentido inverso, este esoterismo é a totalidade dos símbolos cristãos na medida em que eles expressam ou manifestam a pura metafísica e a espiritualidade una e universal. E isto é independente da questão de saber em que extensão um Orígenes ou um Clemente de Alexandria eram conscientes de tudo que está envolvido aqui; questão de resto supérflua, pois é evidente que, por razões mais ou menos extrínsecas, eles não poderiam ter consciência de todos os aspectos do problema tanto mais que foram largamente solidários da bhakti que determina a perspectiva específica do Cristianismo. Seja como for, é importante não confundir o esoterismo de princípio com o esoterismo de fato, ou uma doutrina virtual, que tem todos os direitos da verdade, com uma doutrina efetiva, que eventualmente pode não viver plenamente a promessa implicada em seu próprio ponto de vista.
Em relação ao legalismo judeu, o Cristianismo é esotérico em razão do fato de que é uma mensagem de interioridade: para o Cristianismo, a virtude interior toma precedência sobre as observâncias externas, ao ponto de abolir estas últimas.
Mas, seu ponto de vista sendo voluntarista, pode ser transcendido por uma nova interioridade, qual seja a da pura intelecção, que reduz as formas particulares a suas essências universais, e substitui o ponto de vista da penitência pelo do conhecimento purificador e libertador. A gnose é de natureza crística no sentido de que, por um lado, ela deriva do Logos – do Intelecto simultaneamente transcendente e imanente – e, de outro lado, ela é uma mensagem de interioridade e, portanto, de interiorização.
Em primeiro lugar, pode ser a Gnose Cristã, baseada na pessoa, nos ensinamento e dons do Cristo, beneficiando-se ocasionalmente de conceitos platônicos, um processo que em metafísica não tem nada de irregular.[1]
Esta gnose se manifestou em particular, apesar de que de maneira bem desigual, em escritos como os de Clemente de Alexandria, Orígenes, Dionísio o Areopagita — o teólogo ou o místico, se se prefere — Scotus Erigena, Mestre Eckhart, Nicolau de Cusa, Jacó Böehme e Angelus Silesius.[2]
Em segundo lugar, pode se tratar de algo completamente diferente, qual seja, o esoterismo greco-latino – ou próximo-oriental – incorporado ao Cristianismo: pensamos aqui acima de tudo no Hermetismo e nas iniciações de ofício. Neste caso, o esoterismo é mais ou menos limitado ou mesmo fragmentário, ele reside mais no caráter sapiencial do método – hoje perdido – do que na doutrina e no objetivo; a doutrina era principalmente cosmológica, e consequentemente o objetivo não transcendia os “Pequenos Mistérios”, ou a perfeição horizontal, ou a perfeição “primordial”, se nos referimos às condições ideais da “Idade de Ouro”. Seja como for, este esoterismo cosmológico ou alquímico cristianizado – “humanista” num sentido ainda legítimo, posto que se tratava de restaurar ao microcosmo a perfeição de um macrocosmo sempre em conformidade com Deus – era essencialmente vocacional, dado que nem uma ciência, nem uma arte podem ser impostas a todo mundo; o homem escolhe uma ciência ou uma arte por razões de afinidade e qualificação, e não a priori para salvar sua alma. A salvação sendo garantida pela religião, o homem pode, a posteriori, e sobre esta base mesma, explorar seus dons e suas ocupações profissionais, e é mesmo normal ou necessário que ele deva fazê-lo quando uma ocupação ligada a um esoterismo alquímico ou artesanal se imponha a ele por um motivo qualquer.
Em terceiro lugar, e mesmo antes de tudo, e deixando de lado toda consideração histórica ou literária, podemos e devemos entender por “esoterismo cristão” a verdade pura e simples – verdade metafísica e espiritual – na medida em que ela é expressada ou manifestada mediante os dogmas, rituais e outras formas do Cristianismo. Formulado em sentido inverso, este esoterismo é a totalidade dos símbolos cristãos na medida em que eles expressam ou manifestam a pura metafísica e a espiritualidade una e universal. E isto é independente da questão de saber em que extensão um Orígenes ou um Clemente de Alexandria eram conscientes de tudo que está envolvido aqui; questão de resto supérflua, pois é evidente que, por razões mais ou menos extrínsecas, eles não poderiam ter consciência de todos os aspectos do problema tanto mais que foram largamente solidários da bhakti que determina a perspectiva específica do Cristianismo. Seja como for, é importante não confundir o esoterismo de princípio com o esoterismo de fato, ou uma doutrina virtual, que tem todos os direitos da verdade, com uma doutrina efetiva, que eventualmente pode não viver plenamente a promessa implicada em seu próprio ponto de vista.
Em relação ao legalismo judeu, o Cristianismo é esotérico em razão do fato de que é uma mensagem de interioridade: para o Cristianismo, a virtude interior toma precedência sobre as observâncias externas, ao ponto de abolir estas últimas.
Mas, seu ponto de vista sendo voluntarista, pode ser transcendido por uma nova interioridade, qual seja a da pura intelecção, que reduz as formas particulares a suas essências universais, e substitui o ponto de vista da penitência pelo do conhecimento purificador e libertador. A gnose é de natureza crística no sentido de que, por um lado, ela deriva do Logos – do Intelecto simultaneamente transcendente e imanente – e, de outro lado, ela é uma mensagem de interioridade e, portanto, de interiorização.
[1] De maneira geral, influências intertradicionais são sempre possíveis em certas condições, mas fora de todo sincretismo. Incontestavelmente o Budismo e o Islã tiveram uma influência sobre o Hinduísmo, não lhe acrescentando novos elementos, bem entendido, mas favorecendo ou determinando a eclosão de elementos pré-existentes.
[2] Em outros termos: encontramos elementos de esoterismo sapiencial no gnosticismo ortodoxo – o qual se prolonga na teosofia de Jacó Boehme e seus continuadores –, depois na mística dionisiana dos renanos, e no Hesicasmo, bem entendido; sem esquecer este elemento parcial de esoterismo metódico que foi o Quietismo de um Molinos, traços do qual se encontram em São Francisco de Sales.
(Extraído de: L’Ésotérisme comme Principe et comme Voie, pp. 29-30 / Esoterism as principle and as Way, pp. 29-31)
Tradução de M.S.A.
Surpreendente! E muito esclarecedor. E eu que pensava, seguindo Guénon, que não havia esoterismo cristão! Mas o texto deixa claro que na verdade sempre existiu no seio da tradição cristão uma corrente esotérica, cujos porta-vozes são até mesmo santos canonizados, seja pela Igreja Católica, seja pela Igreja Ortodoxa. Mestre Eckhart, talvez o mais agudo representante desta linhagem esotérica, não foi canonizado, mas tecnicamente poderia sê-lo. Mas não o é, penso, porque algumas de suas teses são "ousadas" demais para a mentalidade da religião convencional. Seja como for, grato pelo texto realmente esclarecedor!
ResponderEliminarJohannes.
Caro Johannes,
ResponderEliminarGrato pelo seu comentário tão lúcido. Alguém uma vez me disse que o Marco Pallis, um dos autores perenialistas/tradicionalistas que tivemos já oportunidade de divulgar neste espaço, se referia à obra escrita do Frithjof Schuon como algo capaz de “desmexer ovos mexidos”. Este pequeno excerto, creio, é uma amostra disso mesmo.