O texto apresentado de seguida, da autoria de
Sachiko Murata, foi inicialmente apresentado em 1999 no Congresso Internacional sobre a Mística Feminina, realizada em Ávila, Espanha. A versão a partir da qual foi efectuada esta tradução parcial foi a revista e publicada no Vol. 12 da
Sacred Web.
Neste ensaio, Sachiko Murata aborda sobretudo a receptividade humana para com a luminosidade divina, recorrendo à exposição da natureza metafísica das relações de género em termos daquilo que os Sufistas denominaram de “ciência da religião”, em oposição à “ciência do corpo”.
Ao longo do texto, a autora aborda ainda de forma bastante profunda a simbologia do feminino e do masculino, sendo facilmente identificáveis paralelismos com outras tradições, como por exemplo o Yin e Yang da tradição chinesa. Julgo ser este, assim, um óptimo contributo para a compreensão do conceito metafísico de complementaridade das polaridades, presente no pensamento tradicional.
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O que quero aqui abordar é um outro lado da realidade feminina, o da sua ligação com a realidade da “luz”, a qual é um dos mais importantes nomes Corânicos de Deus. De acordo com o Corão, “Deus é a luz dos céus e da terra”. Aquilo que gostaria de sugerir é a razão pela qual a feminidade é essencialmente luminosa; por outras palavras, porque é que reflecte directamente a luz divina que preenche o universo. Resumindo, pretendo analisar aquilo que pode ser apelidado de “a luz da mulher” e como as mulheres – e os homens – se podem tornar “mulheres de luz”.
Irei começar por citar um dos mais famosos Sufistas da história, Râbi’a, uma santa que morreu durante o oitavo século, ou seja, no segundo século de existência do Islão. Râbi’a tem sido reconhecida como uma das figuras mais importantes do início da história do Islamismo, existindo vários livros sobre ela no Ocidente. Os seus ensinamentos são frequentemente citados por diversos Sufistas, sendo universalmente respeitada como um dos grandes mestres espirituais do início da tradição Islâmica. Um dos seus mais curtos ditos que chegaram até nós é o seguinte: “Tudo tem o seu fruto, e o fruto do reconhecimento é oferecer-se a Deus.”
Estas breves palavras resumem a sabedoria do Sufismo. Aludem ainda para a “luz da mulher.” No entanto, de forma a compreender como tanto conhecimento pode estar contido em tão poucas palavras, temos de olhar atentamente para o dito e reflectir nas várias referências que faz para o Corão e para as palavras do Profeta.
Iniciemos a nossa análise com a palavra “reconhecimento” (ma’rifa). O que pretende dizer Râbi’a ao utilizar esta palavra, “o fruto do reconhecimento é oferecer-se a Deus”? A palavra Árabe é normalmente traduzida como “conhecimento” ou “gnose” mas, especialmente na sua forma verbal, é mais provável que signifique “reconhecimento”, isto é, relembrar conhecimento. Podemos ainda obter alguma ajuda para a compreensão do que nos quer transmitir Râbi’a de um dito de Maomé repetidamente citado pelos Sufistas nas suas obras. É habitualmente traduzido da seguinte forma: “Aquele que se conhece a si próprio conhece o seu Senhor”, ou “conheceu o seu Senhor”. Eu traduziria da seguinte forma: “Aquele que se reconhece a si próprio, reconheceu o Senhor”. Entendo que o significado destas palavras é o de que todos aqueles que verdadeiramente obtêm o conhecimento de si próprio, e que verdadeiramente relembram o conhecimento que têm do seu verdadeiro “eu”, terão verdadeiramente atingido o reconhecimento de Deus.
Quando Râbi’a disse, “o fruto do reconhecimento é avançar em direcção a Deus”, teria certamente esta frase do Profeta em mente. Assim, com a palavra “reconhecimento”, ela pretendia dizer verdadeiro conhecimento e consciência do “eu” e de Deus. Em relação ao “oferecer se” (iqbâl), ela teria sem dúvida em mente o uso desta palavra no Corão. A melhor forma de compreender o seu significado será, provavelmente, através da análise da história de Moisés e da sarça em chamas. O Corão diz-nos que Moisés ficou assustado depois de ter atirado o seu bastão ao chão e deste se ter transformado numa serpente. Deus disse-lhe, “Moisés, oferece-te e não temas. Certamente estás entre os que estão seguros” (28:31).
Em resumo, ao usar a palavra “oferecer-se”, Râbi’a sugere que aqueles que reconhecem Deus avançarão em Sua direcção, serão abraçados por Ele, e serão libertos de todo o receio. Depois de terem sido libertos do medo, eles estarão seguros. Estarão, assim, entre aqueles a que o Corão se refere como awliyâ ou “amigos” de Deus: “Seguramente os amigos de Deus – eles não terão qualquer medo nem se afligirão” (10:62).
Um segundo dito do Profeta contextualiza ainda mais as palavras de Râbi’a. De facto, acredito que ela estivesse a reafirmar este dito profético por outras palavras. O profeta disse: “Conhecimento sem prática é como uma árvore que não dá frutos”. Quando Râbi’a afirma que “Tudo tem o seu fruto, e o fruto do reconhecimento é oferecer-se a Deus”, ela está a referir-se ao conhecimento e prática que foram delineados pelo Corão, pelo Profeta e pelos seus companheiros. O objectivo de todo o conhecimento religioso é reconhecer Deus, e o objectivo de toda a prática é de oferecer-se a Deus, encontrá-Lo, tornar se Seu amigo e viver sem receio. A prática correcta corresponde à imitação do Profeta seguindo a Shariah (a lei revelada) e cumprindo a Sunna, o modelo exemplar que ele estabeleceu durante a sua vida.
Resumindo, Râbi’a afirma que, comandando as pessoas a perseguir o conhecimento, o Corão e o Profeta estão a dizer-lhes para procurarem e reconhecerem Deus nelas próprias e em todas as coisas, e para obterem total consciência do que estão a reconhecer; e, ordenando-as a praticar, dizem-lhes para se oferecerem sinceramente a Deus e para abandonarem todas as distracções deste mundo. Isto, afirmo, é praticamente a definição de Sufismo, uma vez que aponta para a concentração única em Deus que todos os verdadeiros Sufistas procuram atingir, uma concentração que combina um adequado conhecimento da natureza das coisas com uma adequada actividade.
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Vou agora abordar a questão da “luz”. É necessário começar por referir que na tradição Islâmica, e sobretudo na versão focada desta tradição conhecida como Sufismo, nada pode ser compreendido enquanto não situado em relação a Deus. Deus é a Realidade criadora do universo e o ponto de referência absoluto. Se não compreendemos como algo está relacionado com esta Realidade Última, então é porque não a compreendemos. Ou melhor, não a reconhecemos por aquilo que é. Assim que “reconhecermos” o que é, tal implicará “oferecer-se a Deus”, como Râbi’a o afirma.
Usando a terminologia Islâmica, existem duas formas básicas para a compreensão ou dois tipos de conhecimento. Tal como se diz ter afirmado o Profeta: “O conhecimento é de dois tipos – conhecimento do corpo e conhecimento da religião.” O conhecimento do corpo é o conhecimento comum que obtemos através do nossos próprios meios. Permite que nos orientemos para o mundo nos termos do mundo. O outro tipo de conhecimento permite que nos orientemos em direcção a Deus. O primeiro tem uma utilidade temporária, de nada nos servindo após a morte. Quando o Profeta disse que o conhecimento exige a prática como seu fruto, ele referia-se ao verdadeiro conhecimento da natureza das coisas e à prática verdadeira, ou seja, aquela que traz benefícios permanentes ao ser humano e não apenas temporários. Os verdadeiros benefícios e os verdadeiros frutos só podem ser obtidos através do segundo tipo de conhecimento, o conhecimento da religião.
Se questionássemos Râbi’a ou qualquer outro Sufista sobre as “mulheres de luz”, eles começariam por falar sobre a luz do ponto de vista do conhecimento da religião. Eles nos diriam para não nos preocuparmos tanto com o conhecimento do corpo que nos mantém ocupados com os nossos preconceitos sobre a sociedade e a psicologia, e com os nossos próprios conceitos como os de “justiça” e “igualdade”. Eles nos diriam que se querermos compreender as mulheres, ou se queremos compreender os homens, devemos pedir a Deus que permita que nos reconheçamos a nós próprios e que reconheçamos o nosso Senhor. Devemos orar a Deus com as Palavras de Maomé, “Deus, mostra-nos as coisas como são”. Todos os seres humanos, quer sejam homens, quer sejam mulheres, tem o mesmo objectivo na vida. Este objectivo é conhecer a Luz suprema e ser iluminado por ela.
Para reconhecer a Luz suprema é necessário que nos reconheçamos a nós próprios. Temos de saber quem somos e como estamos situados em relação à Realidade Última. “Aquele que se reconhecer a ele próprio reconhece o seu Senhor”. De forma a conhecer Deus como Luz, é necessário que nos reconheçamos como luz. Numa famosa oração do Profeta é dito:
“Deus, coloca no meu coração uma luz, na minha audição uma luz, na minha visão uma luz, na minha mão direita uma luz, na minha mão esquerda uma luz, à minha frente uma luz, atrás de mim uma luz, sobre mim uma luz, sob mim uma luz, e faz de mim uma luz.”
Nesta oração, o Profeta pede a Deus que lhe mostre a luz que ele possui nele próprio porque ele foi criado a partir da Luz Suprema. Só quando encontrarmos luz em nós próprios podemos reconhecer Deus como Luz.
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Regressemos agora ao tema da “mulher”. O que é que estabelece a relação entre a mulher e a luz, de tal forma que possamos falar de “mulheres de luz”. Em termos do Sufismo, tal mulher seria alguém que teria sido em tal medida transformada por conhecimento e prática que Deus lhe teria dado luz no seu coração, na sua audição, na sua visão, etc., tendo Deus a “feito uma luz”.
Uma forma de compreender o que são as “mulheres” é as conceptualizar em relação aos seus opostos. Assim, as mulheres podem ser compreendidas em relação aos homens, e os homens em relação às mulheres. Quais são então as qualidades e atributos contrastantes que nos permitem distinguir as mulheres dos homens?
Regra geral, o pensamento Islâmico entende a masculinidade como uma qualidade de actividade, controlo, autoridade, domínio, força, poder e grandeza. A feminidade manifesta as qualidades complementares – receptividade, aquiescência, submissão, entrega, fraqueza, cedência, humildade.
Quando Deus é entendido em oposição ao mundo, Ele é tipicamente caracterizado em termos de atributos masculinos, uma vez que ele é omnipotente e tem controlo total sobre todas as coisas. Em contraste, quando o mundo é caracterizado em relação a Deus, este é entendido em termos de qualidades femininas, pois não tem nada para além de receptividade. Este não pode ter qualquer actividade própria, apenas pode receber de Deus. Isto não é o mesmo que dizer que não tem actividade, mas sim que apenas obtém actividade através da aquisição das actividades do Senhor, o qual é o único Actor. Quando as criaturas de Deus recebem a actividade do Senhor e estão cientes da sua recepção, nessa altura podem ser os Seus servos perfeitos, agindo como Deus quer que eles ajam.
É claro que Deus tem em Si próprio qualidades masculinas e femininas, Ele é masculino quando é o Irado, o Severo, o Poderoso, o Tirador de Vidas, o Humilhador. Por outro lado, Ele é feminino quando é o Misericordioso, o Tranquilo, o Receptivo, o Dador de Vida.
Tal como Deus é descrito em termos de uma polaridade de atributos masculinos e femininos, o mesmo acontece frequentemente com o universo. O Céu é ascensor, dominante, controlador e masculino. A terra corresponde a descida, é subserviente, receptiva e feminina.
Muitas passagens poderiam ser citadas a partir de obras Sufistas que descrevem o universo como conjuntos de pares contrastantes ordenados de uma forma hierárquica de Deus para o mundo. Nestas descrições, o atributo mais elevado e dominante é representado como masculino, enquanto que o atributo inferior e receptivo é representado como feminino. No entanto, o género de algo não é fixo, uma vez que muda na medida em que o vemos como receptivo para algo mais elevado ou activo em direcção ao inferior (e.g., o céu é feminino em relação a Deus mas masculino em relação à terra).
Da mesma forma, os ensinamento psicológicos Islâmicos – os quais correspondem a descrições do ser humano saudável e completo – utilizam o imaginário do masculino e do feminino para descrever a natureza do “eu” humano. O “eu” ou alma é entendido como constituído por vários níveis, cada um destes com uma relação particular com os restantes. Usualmente, o “eu” é descrito como um microcosmo espelhando a estrutura vertical do macrocosmo.
Quando a alma é entendida como uma hierarquia de níveis, o seu nível mais elevado é o intelecto, e este, na terminologia Islâmica, é uma “luz”. O Profeta disse, “A primeira coisa que Deus criou foi a minha luz,” e disse ainda, “A primeira coisa que Deus criou foi o Intelecto”. Os Sufistas designam esta primeira luz como o “Primeiro Intelecto” e a “Realidade Maometana”, e consideram-no o protótipo do universo e da alma individual, do microcosmo e do macrocosmo. O paralelismo com a doutrina Cristã do Logos é comummente referido.
Quando o Profeta pediu a Deus para que Ele “faça dele uma luz”, ele pedia a Deus que fizesse com que a luz dos mais altos níveis do seu ser, o intelecto, dominasse sobre todos os restantes níveis inferiores do seu ser, incluindo o seu corpo. Quando ele pediu a Deus que colocasse uma luz no seu coração, na sua visão, na sua audição, e em todos as partes do seu corpo, ele pedia a Deus que lhe revelasse a luz essencial da sua própria realidade, a qual foi a primeira coisa criada por Deus. O Profeta mostra a todos os seres humanos, os quais foram criados da mesma luz essencial, que eles apenas podem atingir a sua própria perfeição e reconhecer-se verdadeiramente a si próprios, se a luz escondida da sua própria essência fluir a partir do seu centro e conquistar a sua escuridão.
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Outro famoso dito profético sugere algo sobre a natureza da luz que o Profeta pede a Deus que brilhe sobre ele. Estas são as palavras que explicam o que acontece quando o servo realiza todas as suas tarefas através do reconhecimento do seu ou da sua vassalagem para com Deus. Quando o servo se oferece a Deus através da prática que Deus lhe exige, este acto faz descer o amor de Deus. Nesta haddith, o Profeta releva-nos que Deus diz, “Quando Eu amo o Meu servo, Eu sou a audição pela qual ele ouve, a visão pela qual ele vê, a mão com que ele segura e os pés com que ele caminha.”
É importante não esquecer que estas palavras são proferidas por Deus, a Luz dos céus e da terra. Quando Deus ama o Seu servo, o servo é preenchido com a luz de Deus. Quando Deus preenche o Seu servo com a sua luz, o servo ouve com a luz de Deus, vê com a luz de Deus, caminha com a luz de Deus, segura com a luz de Deus. Por outras palavras, Deus colocou uma luz nos seus olhos, uma luz nos seus ouvidos, uma luz em todas as partes do seu corpo e transformou-o numa luz.
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Para conhecer a natureza da luz é necessário reflectir um pouco sobre o seu oposto, a escuridão. A Luz das luzes é Deus, e luz é inteligência, entendimento, e a fonte de toda essa percepção e compreensão. Daqui se deduz que “escuridão” é a ausência de Deus, a ausência de inteligência e a ausência de percepção e compreensão. No entanto, nada pode estar totalmente ausente da presença de Deus ou destas qualidades, caso contrário não existiria. Isto significa que o único oposto de Deus é a própria inexistência, o que não existe. Assim, Deus não tem oposto. Por outras palavras, não existe algo como “absoluta escuridão”. No entanto, existe algo como “absoluta luz”, Deus.
Se não existe escuridão absoluta, existe, no entanto, muita “escuridão relativa”. Todos nós sentimos escuridão relativa a maior parte do tempo. É a ignorância, a falta de entendimento, a inconsciência, estupidez, fealdade e o mal, tão obviamente em nós e nos outros.
Eu sugeri aquilo que uma “mulher de luz” poderá ser, mas poderemos falar também de uma “mulher da escuridão”? É claro que podemos. Não existe qualquer garantia que uma mulher – ou um homem – irá revelar a luminosidade divina. Na terminologia Islâmica, falar de “mulheres de escuridão” seria discutir a receptividade ao mal, ou a qualidade de aquiescência onde ela não deveria existir. Receptividade para com a luz é positivo, mas a receptividade para com a escuridão é a fonte de toda a ignorância e fealdade.
Em resumo, não pretendo sugerir que o pensamento Islâmico entende o princípio feminino como necessariamente luminoso. Na sua essência é luminoso, mas pode ser pervertido e obscurecido. Da mesma forma, o princípio masculino é essencialmente luminoso podendo, no entanto, ser pervertido e obscurecido.
Se considerarmos o feminino e o masculino em termos dos critérios mais comuns, ou seja, em termos da “ciência do corpo”, veremos que, quer um quer o outro, podem ser bons ou maus, dependendo dos padrões que adoptarmos para o nosso julgamento. Tudo depende do critério que escolhemos. A este nível, tudo é uma mescla obscura de luz e escuridão, sem quaisquer padrões que permitam distinguir entre a luz real e a escuridão real.
No entanto, os Sufistas preferem considerar o feminino e o masculino em termos da “ciência da religião”, ou em termos do verdadeiro reconhecimento. Só assim podem falar do bem e do mal, da luz e da escuridão, em termos reais. Deste ponto de vista, a luz da mulher aparece em todas as coisas do universo que manifestam a luz de Deus através da sua submissão à actividade criativa de Deus. Nesta perspectiva, todas as coisas são mulheres luminosas, uma vez que todas as coisas se submeteram a Deus e O servem como Seus servos. Ser um servo de Deus é ser uma mulher perante Deus. Quando o mundo é entendido simplesmente como uma criatura de Deus, não existem mulheres de escuridão, pois tudo é um sinal de Deus, uma manifestação do poder criador de Deus.
Ao nível humano, no entanto, é necessário distinguir entre “mulheres de luz” e “mulheres de escuridão”. Mulheres de luz são todos os seres humanos, homens ou mulheres, que se submetem livremente aos ensinamentos e vias de Deus. Mulheres de escuridão são todos os seres humanos, homens ou mulheres, que se submetem livremente a qualquer coisa que os afaste de Deus.
Ao usar o termo “submissão”, tenho em mente a palavra árabe islâm. No Corão, existem dois tipos básicos de muçulmanos, ou seja, dois tipos básicos de criaturas submissas a Deus. Por um lado, todas as coisas criadas são muçulmanas, uma vez que todas são Suas criaturas. O Corão diz, “Para Deus se submeteu [islâm] todas as coisas nos céus e na terra” (3:83). Por outro lado, as únicas criaturas que merecem ser apelidadas de muçulmanas são os seres humanos que livremente se submetem a Deus seguindo um dos 124 000 profetas enviados por Deus à raça humana.
Assim, na terminologia do Corão, ser um verdadeiro muçulmano implica a submissão livre a Deus e receptividade para com a Sua luz orientadora. A primeira coisa solicitada a alguém que queira ser verdadeiramente muçulmano é que aceite livremente que é uma “mulher”, no sentido da palavra que tenho usado. Não podemos ser totalmente humanos sem nos rendermos totalmente a Deus, ou seja, não podemos ser totalmente humanos sem actualizarmos a luz da feminidade. Através da entrega a Deus, “oferecemo-nos” a Deus e afastamo-nos de toda a escuridão da feminidade, a qual aumenta quando nos oferecemos ao mundo e não a Deus.
Visto em termos da sua natureza criada, todos os seres humanos são “femininos” antes de terem quaisquer outras qualidades, o que equivale a dizer que eles são inicialmente entregues e submissos ao comando criador de Deus. Como todas as restantes coisas, eles chegaram a Deus como servos e obedecem Lhe em absoluto. As dificuldades surgem na nossa condição humana quando não conseguimos ver que somos por natureza mulheres, ou quando pretendermos ser homens quando na realidade somos mulheres. Em relação a Deus, todos os seres humanos devem escolher ser mulheres. A forma de alcançar este objectivo é reconhecer a nossa própria receptividade e natureza por aquilo que é.
Assim que reconhecermos a nossa natureza feminina, teremos reconhecido o domínio e a autoridade do nosso Senhor. Só assim podemos compreender a hadith sobre o reconhecimento do “eu” como significando o seguinte: “Quem reconhecer a feminidade do seu próprio “eu”, reconheceu a masculinidade do Senhor”. Quem sabe que ele ou ela é na verdade uma mulher, compreendeu que Deus é a origem de todo o poder e autoridade e que apenas Deus merece ser apelidado de “senhor”, “mestre”, e “homem”.
Como comentário final, vou voltar ao dito de Rabi’â com o qual comecei. “Tudo tem o seu fruto, e o fruto do reconhecimento é oferecer-se a Deus.” Rabi’â está simplesmente a dizer que quando as pessoas se reconhecem a elas próprias por aquilo que verdadeiramente são, elas não terão outra alternativa senão oferecer-se a Deus, uma vez que Deus é a origem dos seus “eus” e de todas as coisas. Elas não terão outra alternativa senão renderem-se a Deus de livre vontade. Mas, ao fazê-lo, cada uma delas, homem ou mulher, serão uma mulher de luz.