terça-feira, 30 de agosto de 2011

Sabedoria Ameríndia


Nós vimos o Grande Espírito (Wakan Tanka) em quase tudo: no sol, na lua, nas árvores, no vento e nas montanhas. Às vezes aproximamo-nos d’Ele através destas coisas.

Búfalo Andante (Walking Buffalo)

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Editorial SP3: Natureza e Crise Ambiental

Olhar a infinidade no finito é ver que dada flor à nossa frente é eterna,
porque uma eterna primavera se afirma através do seu frágil sorriso.
Frithjof Schuon


Continuamos, nesta terceira publicação dedicada ao estudo da tradição e da sophia perennis, a divulgar a corrente de pensamento tradicionalista ou perenialista. O tema em foco no número anterior da Revista Sabedoria Perene foi a arte. Neste terceiro número, a temática é outra – a natureza e a crise ambiental –, mas a mensagem subjacente aos textos apresentados é a mesma, a da sabedoria perene, aquela sabedoria incriada e imutável que dissolve disparidades aparentes e que perfura a superfície de quaisquer objectos de estudo, para deixar transparecer o que neles há de mais profundo e de essencialmente idêntico.

É assim, à luz desta sabedoria perene, que o leitor que nos acompanhou no número anterior poderá reconhecer diversas correspondências entre a arte sagrada e a natureza virgem. De facto, não deixa de ser significativo que sejam os povos que ainda imprimem uma dimensão sagrada nas suas realizações artísticas os que melhor protegem e acarinham o meio natural em que se inserem; é igualmente significativo que, pelo contrário, sejam os povos fundadores da moderna indústria de produções artísticas mundanas, invariavelmente concentrados em grandes centros urbanos, os que mais delapidam a natureza e os que com ela se relacionam como se de uma mera fonte de recursos a explorar se tratasse. Segundo o padrão de pensamento tradicional que caracteriza a mentalidade dos povos do primeiro tipo, quase totalmente extintos, tanto a arte sagrada como a natureza virgem são dádivas “sobrenaturalmente” naturais, pelo que a atitude sã e normal do homem para com essas dádivas deverá ser a da sua preservação. Ao contrário, o padrão de pensamento moderno que caracteriza a mentalidade dos povos do segundo tipo, esmagadoramente predominantes nos dias de hoje, parece conduzir-nos precisamente à violação destas dádivas, ora pela promoção de correntes artísticas “desnaturadas”, como é o caso do surrealismo e de toda a forma de arte abstracta, ora pela adopção de atitudes de vida que nos conduziram a uma crise ambiental sem precedentes, a qual se tornou já demasiado evidente para poder ser ignorada.

O texto de Harry Oldmeadow, seleccionado para Introdução deste terceiro número da Revista Sabedoria Perene, oferece uma primeira indicação sobre aquela que é, segundo a perspectiva tradicionalista ou perenialista, a principal causa da actual crise ambiental (e que é, não o podemos deixar de salientar, a mesma que explica a crise que assola o mundo da arte). Neste texto, o autor destaca que esta causa é raramente percebida e que a sua compreensão em profundidade implica o relembrar de princípios metafísicos e cosmológicos intemporais, os quais podem ser ignorados mas não refutados. Estes princípios, tidos em consideração em todos os contextos civilizacionais, épocas e lugares, estão espelhados nos escritos de inúmeros autores tradicionalistas ou perenialistas da actualidade, oriundos das mais variadas proveniências culturais e denominações espirituais ou religiosas. Estes autores, que incluem figuras contemporâneas tais como René Guénon, Frithjof Schuon, Ananda Coomaraswamy e Titus Burckhardt, reflectem, de forma renovada, a mesma perspectiva que um Platão semeou no seio do mundo greco-romano, que um Rumi ou um Ibn Arabi traduziram para o mundo islâmico, que um Mestre Eckhart emprestou à cristandade ou que um Shânkara ofereceu à tradição hindu, para mencionar apenas alguns dos inspirados precursores tradicionalistas ou perenialistas de todos os tempos.

São precisamente estes princípios intemporais que permeiam o conteúdo do primeiro bloco de textos deste terceiro número da revista, agrupados sob o título Metafísica e simbolismo: Sacralização da Natureza. Este primeiro bloco contém dois ensaios de Frithjof Schuon que guiam o leitor para uma compreensão mais profunda da dimensão sagrada da Natureza. Os outros dois textos que compõe este bloco, um de Titus Burckhard e outro de Alberto Vasconcellos Queiroz, salientam a necessidade de todos os que se preocupam com a actual crise ambiental ponderarem seriamente sobre esta dimensão sagrada da Natureza, sem a qual a sua preservação, bem como a da vida de um modo geral, se torna insustentável.

Para compreender a causa mais profunda da crise ambiental é necessário, repetimos, relembrar princípios metafísicos e cosmológicos e ponderar sobre a dimensão sagrada da natureza. As consequências que derivam do esquecimento destes princípios e da rejeição desta dimensão da natureza estão bem patentes no segundo bloco de textos da revista, reunidos sob o título Crise ambiental: Profanação da Natureza. Os autores destes textos, Seyyed Hossein Nasr, Lord Northborne, Gai Eaton, Oren Lyons, Mateus Soares de Azevedo e William Stoddart, são unânimes em reconhecer neste esquecimento e nesta rejeição uma profunda enfermidade intelectual ou espiritual, enfermidade esta que René Guénon diagnosticou com precisão há praticamente um século. Em resumo, segundo a perspectiva tradicionalista ou perenialista, a crise ambiental é apenas um sintoma de uma ainda mais profunda crise intelectual ou espiritual. Segundo esta mesma perspectiva, a esperança para a resolução da crise ambiental (e para as demais crises) reside na intelectualidade pura, aliada a um conhecimento sólido de princípios intemporais e a uma noção clara das implicações práticas que a perda deste tipo de conhecimento acarreta – uma perda que nenhum avanço na ciência moderna nem nenhuma solução de engenharia poderá compensar!

Mormente, para além destes textos que nos alertam para a necessidade de reconhecer que não se perturba impunemente o equilíbrio da natureza, algo que os povos de outrora sabiam bem melhor do que nós, e que a superioridade do conhecimento científico moderno é totalmente insuficiente para nos proteger de todos os efeitos provindos de uma natureza desequilibrada, o Epílogo que encerra este terceiro número da revista e que foi a fonte de inspiração para a sua capa, um texto penetrante de Frithjof Schuon, recorda-nos que o homem é portador de uma missão espiritual e que a deve cumprir, que o homem é pontifex ou khalîfah, um mediador imediato entre o mundo sobrenatural e o mundo natural, entre o Céu e a Terra, entre Deus e a Natureza.

Não se poderá certamente exigir que uma mente desconhecedora do conceito da intelectualidade pura e destreinada na compreensão e aceitação de princípios irrefutáveis, como é o caso de uma mente formatada ao padrão de pensamento moderno, aceite sem resistência que existe uma relação directa entre o incumprimento da missão espiritual do homem e a crise ambiental dos nossos dias. É por essa razão que os autores perenialistas ou tradicionalistas lidam mais directamente com a enfermidade intelectual ou espiritual que contagiou o mundo moderno, e não apenas com os sintomas da mesma – um desses sintomas, entre outros, a crise ambiental. É também por essa razão que os autores perenialistas ou tradicionalistas não advogam um sentimentalismo ecológico estéril, nem defendem que se abdique de todos os benefícios que a ciência moderna oferece ou que se retorne a modos de vida “primitivos”, mas sim que se restaure uma intelectualidade viva, iluminada pela metafísica e pelo simbolismo, uma intelectualidade que imprima no homem a vontade de conhecer, adorar e agradar ao “Pai Céu”, de compreender, acarinhar e cuidar da “Mãe Terra”, e de manter acesa a ligação equilibrada entre estas duas dimensões da vida.

Dito isto, entregamos ao leitor as páginas de mais este número da Revista Sabedoria Perene e, desde já, estas duas breves passagens que relevam a importância da função espiritual do homem para a resolução da crise ambiental.

O homem não pode exercer a sua função mediadora se permitir que o seu olhar se afaste do Deus que o nomeou para a exercer e que está sempre presente para guiá-lo se este procurar orientação. Se usar a dádiva divina que é o seu domínio da Natureza sem ser à luz de Deus, mas antes para seu engrandecimento, cedo se descobre isolado e insignificante, lutando em vão contra as forças da Natureza. No final, até os seus próprios poderes se terão virado contra si. A Natureza manifesta na mudança as imutáveis disposições do Todo-Poderoso Deus. A Natureza não tem escolha. Nós temos escolha, e temo-la exercido de uma forma e até a um ponto do qual parece não existir fuga aos envolvimentos que recaíram sobre nós.
Lord Northborne (p. 79)

A perda de harmonia entre o homem e o seu meio ambiente natural é apenas um aspecto da perda de harmonia entre o homem e o seu Criador. Aqueles que viram as costas ao Criador e O esquecem não mais podem sentir-se em casa na criação. Eles assumem o papel de bactérias que acabam sempre por destruir o corpo que invadiram. Desta forma, o “Vice regente de Deus na terra” deixa de ser o curador da natureza e, ao perder a sua função, passa a ser um estranho que não reconhece os marcos na terra nem se ajusta aos costumes deste lugar; alienado, apenas o consegue ver como matéria-prima a explorar. Ele pode encontrar riquezas e conforto na exploração, mas não a felicidade.
Gai Eaton (p. 86)

Nuno M. Almeida
Vale da Lama, 2 de Agosto de 2011

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Revista Sabedoria Perene - Número 3

(clique sobre a imagem para descarregar "pdf") 


Editorial

Introdução

“Direcções para o suprasensível” – Harry Oldmeadow

Metafísica e simbolismo: Sacralização da Natureza

Ver Deus em toda a parte – Frithjof Schuon
Uma metafísica da natureza virgem – Frithjof Schuon
O simbolismo da água – Titus Burckhardt
Notas sobre a ecologia espiritual de São Francisco de Assis e Swâmi Râmdâs – Alberto Vasconcellos Queiroz

Crise ambiental: Profanação da Natureza

As dimensões espiritual e religiosa da crise ambiental – Seyyed Hossein Nasr
A agricultura e o destino humano – Lord Northborne
O protesto da terra – Gai Eaton
A nossa mãe terra – Oren Lyons
Primitivos e ultra-sofisticados – Mateus Soares de Azevedo
Sobre a ecologia: os quatro poluentes – William Stoddart

Epílogo

Pontifex e Khalîfah – Frithjof Schuon

Citações espirituais

Fontes dos textos

Breves notas sobre os autores

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segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Carta de René Guénon a Frithjof Schuon sobre o livro "A Unidade Transcendente das Religiões"


(...) Apesar de, como certamente estará informado, eu ter tido notícias suas recentemente, fiquei extremamente feliz por ter novas suas diretamente, e também por ouvir que eu posso receber a visita de um de nossos amigos; talvez v. mesmo possa nos fazer uma nova visita proximamente...

Obrigado por enviar os sucessivos capítulos de seu livro [A Unidade Transcendente das Religiões], que agora foi completado; considero-o do maior interesse, e teria sido uma grande pena se v. tivesse decidido não escrevê-lo. Não há modificações que eu gostaria de sugerir, nem há nada a acrescentar ou a remover; penso que o que concerne ao Cristianismo, em particular, nunca foi apresentado antes deste ponto de vista, e isto pode ajudar algumas pessoas a entenderem muitas coisas. É importante que este livro seja publicado o mais cedo possível; Luc Benoist me disse que isto pode acontecer para o fim do ano, mas como a nova edição de La crise du monde moderne sairá aparentemente mais cedo que ele disse, espero que este fato possa antecipar a publicação dos próximos volumes da coleção, isto é, o seu livro primeiramente e então o de Coomaraswamy [Hindouisme et Bouddhisme]. Acerca do novo título para seu livro [De l’unité transcendante des religions], ele me parece preferível à versão anterior [De l’unité ésotérique des formes traditionnelles], porque é mais curto e porque será talvez mais claro para os leitores ainda não acostumados à nossa terminologia.

(...) Quanto ao que v. diz em sua resposta sobre S. João, haveria apenas isto a acrescentar: muitos muçulmanos também consideram S. João como um Profeta, pertencente à família de Al-Khidr, Sayyid-na Idris e Sayyid-na Ilyas; seja como for, compreende-se que ele seria apenas Nabi, e não Rasûl. A este respeito, não me recordo se já tive a ocasião de lhe contar que o que me deu a ideia de escrever os artigos sobre a “realização descendente”, publicados no começo de 1939, foi o fato de alguns xiitas reivindicarem que o Wali fosse um maqâm mais elevado (do ponto de vista de al-qurb, ‘proximidade’) do que o Nabi, e mesmo que o Rasûl. O que eu escrevi recentemente sobre os Malamatiya, como v. verá ( ou talvez já tenha visto, pois o número 4 de Études Traditionnelles já deve ter sido publicado) também lida com a mesma questão; este artigo concorda com o que v. mesmo escreveu acerca da relação dos iniciados com o povo (...)

Sim, recebi de Buenos Aires os dois estudos que v. menciona, sobre o Budismo e os “Nomes Divinos”; tive a mesma impressão sua, especialmente do segundo. É bem difícil de ler e contém muitas complicações desnecessárias, e mesmo muitas correspondências que parecem injustificadas; pergunto-me sobre que autoridades o autor poderia fundamentar suas asserções... Certamente que o livro de S. Abu Bakr [The Book of Certainty] é bem diferente; v. não acha que, se fosse traduzido para o francês, seria válido incluí-lo na coleção Tradition? Não creio que Luc Benoist poderia ter objeção à ideia.

De fato, conheci madame Breton (então mademoiselle Dano) em meus últimos tempos em Paris e, desde então, ela me escreve de tempos em tempos. Penso que v. fez bem em responder a ela, ela é certamente bastante agradável e parece ter um bom entendimento, e não há razão para não ter confiança nela; ademais, é um fato gratificante que não pertença àquela categoria de correspondentes – demasiado numerosa – que são criadores de casos e indiscretos. Devo também mencionar que ela e seu cunhado, Paul Barbotin, foram de considerável ajuda para mim em elucidar algumas maquinações de membros do R.I.S.S. e outros do gênero. Acrescentarei, para que saiba exatamente com quem está lidando, que ela é claramente católica e está em contato com Charbonneau-Lassay.

Seu capítulo sobre as formas de arte será certamente bastante apropriado para o volume de Bharata Iyer [Art and Thought, em homenagem ao 70º aniversário de Ananda Coomaraswamy]; Marco Pallis escreveu para dizer que preparará algo sobre a vestimenta tradicional. Quanto a mim, infelizmente não fiz nada até agora; já que parece que os artigos serão solicitados logo, pergunto-me se uma tradução de meu estudo sobre a teoria dos elementos, que apareceu no número especial de Études Traditionnelles dedicado à tradição hindu, não seria apropriado. Dificilmente eu poderia escrever agora algo de alguma extensão, nem isto será possível até que eu conclua com todas as questões de publicações e republicações que estão em pauta presentemente, pois tudo isso me toma muito tempo e é ainda mais complicado pela lentidão e irregularidade do correio. É verdade que o período de silêncio destes últimos anos foi vantajoso para mim, no sentido de que de outra maneira teria sido provavelmente difícil completar quatro novos livros durante este tempo; mas, de outro ponto de vista, a ausência prolongada de notícias tornou-se algo bastante duro...

Meu obrigado a v. e a todos os nossos amigos pelos bons votos; continuo com boa saúde, graças a Deus, e minha família se junta a mim para enviar-lhe nossas saudações e boas lembranças.

Min al-faqir ilâ Rabbi-hi
‘Abd al-Wahid Yahya.