Se desejas que o teu caminho se encurte para que chegues rapidamente à realização, praticarás as obras de caracter “necessário” (al-wâjibât) e aquelas “supererrogações firmemente recomendadas” (ma taakada mîn nawâfili-l-khayrât); aprende da ciência exterior aquilo que é indispensável para servir Deus, mas não te detenhas aí, porque não se exige o seu aprofundamento; é a ciência interior que precisas aprofundar; e combate a cobiça; então verás maravilhas. O “caracter nobre” não é outra coisa senão a taçawwuf dos Sufis, tal como ele é a religião dos homens religiosos; e que Deus amaldiçoe aqueles que mentem!
Também, fugir sempre à sensualidade [1], porque ela é o oposto da espiritualidade, e os opostos não se rejuntam. À medida que reforças os sentidos, enfraquecer-te-ás no espírito, e inversamente. Ouve o que aconteceu ao nosso mestre (que Deus esteja satisfeito com ele) no começo de seu caminho. Ele tinha acabado de malhar três medidas de trigo e fê-lo saber ao seu mestre, o senhor al-‘Arabî ben Ábd-Allâh, que lhe disse: “Se aumentas no domínio dos sentidos, diminuirás no do espírito, e se diminuis neste, aumentarás naquele”. Isto é evidente, porque enquanto te relacionares com as pessoas (mundanas), jamais sentirás nelas o perfume do espírito; não sentirás senão o odor do suor, e isto advém da sensualidade os ter subjugado; ela apoderou-se dos seus corações e dos seus membros: eles não encontram nenhum benefício senão nela, de maneira que só tagarelam, só se ocupam e só se rejubilam dela e dificilmente se desapegam dela; e todavia numerosos são aqueles que dela se desapegaram para mergulhar no espírito para o resto de suas vidas; que Deus esteja satisfeito com eles e que nos faça tirar proveito da sua bênção, Ámen, Ámen, Ámen! – É como se Deus (exaltado seja ele) não lhes tivesse dado o espírito (isto é, às pessoas mundanas), embora cada qual faça parte dele, assim como as ondas fazem parte do oceano. Se eles o soubessem, eles não se deixariam distrair pelas coisas sensíveis; e se eles o soubessem, descobririam neles mesmos oceanos sem limites; e Deus é a garantia do que dizemos.
[1] Al-hiss, a sensualidade no sentido mais lato do termo, ou seja o apego à experiência sensível.
in Lettres d'un maître soufi, Le Sheikh al-'Arabî ad-Darqâwî, Traduites de l'Arabe par Titus Burckhardt; Letters of a Sufi Master, The Shaykh ad-Darqâwî, Translated by Titus Burckhardt