terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

The Golden Chain

Este fantástico livro revela-nos o verdadeiro significado de filosofia, aqui entendida como uma prática sagrada e um método experimental para a percepção do Real. Como diz Platão, a filosofia é uma preparação para a morte (Fedro) e o seu objectivo é que nos tornemos como Deus (Teeteto).

Esta antologia de textos da Tradição Pitagórica e Platónica, editada por Algis Uždavinys para a World Wisdom, contrasta em importantes aspectos com o actual entendimento do que é a filosofia em geral. De facto, o autor considera a filosofia, neste caso a filosofia antiga, como essencialmente uma forma de vida, inseparável de uma prática espiritual e de acordo com os mitos cosmogónicos e os rituais sagrados. Para os antigos filósofos, a tarefa a cumprir consistia na contemplação da ordem cósmica e da sua beleza, vivendo em harmonia com esta ordem, procurando, no entanto, transcender as limitações impostas pela experiência sensorial e pela razão discursiva, despertando a luz divina que residia no seu interior. Para eles, a teoria nunca era considerada com um fim nela própria, sendo antes posta ao serviço da prática, entendida em termos de uma transformação “alquímica” e elevação da alma através de rituais de purificação e cultivação das virtudes.

Outro aspecto contrastante com a visão dos historiadores modernos de ciência e filosofia que sobressai desta antologia, é o facto destes filósofos se considerarem os herdeiros ou estudantes de civilizações Orientais muito mais antigas. Platão, por exemplo, estaria aparentemente muito em dívida para com a designada tradição Órfica (parcialmente baseada em influências Indianas e Egípcias) e à tradição oral Pitagórica. Na realidade, os Platónicos acreditavam numa revelação oferecida aos sábios antigos e teólogos, ou seja, a poetas e hierofantes divinamente inspirados. Esta revelação primordial era entendida como inalterável, não podendo existir nada de novo em relação à metafísica e às verdades divinas. O termo “Golden Chain”, imagem Homérica de uma corrente a ligar o Céu e a Terra, era usada na escola de Atenas de Syrianus e Proclus para descrever a ligação vertical inquebrável com os primeiros princípios, e a sucessão horizontal, ou histórica, dos mestres qualificados ou intérpretes. Esta corrente era simultaneamente uma corrente de teofania, de manifestação ou descida, e uma escada de ascensão.

A filosofia, tal como entendida por Proclus e outros Neoplatónicos era, assim, algo muito distante de um treino da razão ou de um desporto da mente emersa em dúvidas. Ela era o “nicho de profecia”, combinando a filosofia discursiva com a prática espiritual com o objectivo de atingir a iluminação, a visão directa da verdade e a união com os princípios divinos. Nas suas Gifford Lectures, S.H. Nars refere que: “a eventual redescoberta nos dias de hoje do carácter sagrado do conhecimento conduziria, antes de qualquer outra coisa, a uma redescoberta da sabedoria Grega de Platão, Plotino e outros sábios Greco-Alexandrinos, bem como dos escritos do Hermetismo, não como simplesmente filosofia humana mas como doutrinas sagradas de inspiração divina, comparáveis mais com as darsanas Hindus do que com as escolas filosóficas tal como actualmente entendidas”.

Nesta antologia, estes aspectos da filosofia irão desvendar-se por eles próprios e nas palavras dos grandes sábios da filosofia Helénica. Os textos escolhidos foram agrupados em quatro partes, começando por se apresentar vários relatos da vida de Pitágoras deixados por escritores Helénicos e Bizantinos mais recentes. Com a escolha destes relatos procura-se, mais do que com uma preocupação histórica, apresentar as bases arquétipas e mitológicas da tradição Platónica, bem como importantes conteúdos hermenêuticos. Na segunda parte são apresentados excertos de textos Pitagóricos, frequentemente desprezados pelos académicos modernos simplesmente porque os seus reais autores ou editores viveram em alturas posteriores às reclamadas, ignorando o facto de na antiguidade, um “autor” ser considerado como auctoritas, sendo usual usar-se o nome da escola, a qual estava associada a nomes arquétipos, tais como Hermes, Salomão ou Pitágoras.

A terceira e quarta parte contêm trechos seleccionados das obras de Platão e de autores devotos ao Neoplatonismo Helénico, desde Plotino e Porfírio até Damascius, focando essencialmente os vários aspectos da hermenêutica da metafísica Platónica e da mitologia sagrada, bem como da ética e teurgia filosófica.

A redescoberta desta antiga sabedoria Helénica permite-nos ver a importância crucial das doutrinas Neoplatónicas na formação do pensamento tradicional Cristão, Judaico e Islâmico, sentindo-se a tradição Pitagórica e Platónica como um dos pilares intelectuais da sophia perennis.

1 comentário:

  1. Anónimo7/2/08 03:09

    Excelente. Excelente. Em meu curso de filosofia universitário, não raro, eu me perguntava o que nós havíamos herdado da Grécia além das ruínas. Não deixei de reconhecer, entretanto, a generosidade de coração de meus professores.

    Dava-nos, eles, o que tinham em mãos. Mas e quanto a filosofia do oriente, por exemplo? Esse tesouro, para o qual se volta o coração de uns poucos, é imperecível, entretanto para os demais – absurdo – ele se perdeu, há milênios, pela traça e pela ferrugem. Nas entrelinhas da história do “progresso”, escreve-se a história do esquecimento.

    Numa Faculdade de Filosofia esquecida do sagrado, onde buscar refúgio senão nos jardins? Sim, ao menos os jardins!

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