quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Poemas da Montanha


Nesta magnífica selecção de Poemas da Montanha recentemente publicada pela Serra d’Ossa Edições, encontramos um caminho para o coração da poesia mística de Frei Agostinho da Cruz, tão magnificamente mapeado pelo texto introdutório de Dalila L. Pereira da Costa.

Com reforçada inspiração para prosseguir este ciclo de estudo dedicado à Natureza, divulgamos aqui esta obra e reproduzimos uma pequena amostra da Elegia da Arrábida deste monge franciscano português.

* * *

Convosco e dentro em vós, Serra batida
Mais das ondas humanas que marinhas,
Cantarei, como cisne, a despedida.

Testemunha sois vós das queixas minhas,
E porque quero mais, antes que gente,
As feras e serpentes por vizinhas.

Tanto, que nem de amigo, nem parente,
Inda agora não faço diferença,
Se seu amor do meu for diferente.

A nenhum deles nisto faço ofensa,
Se algum seu interesse só pretende,
Pois nele só consiste a desavença.

(…)

O descanso do doce pensamento,
O repouso do livre coração,
Não se deve perder um só momento.

Qual deve ser a minha pretensão
Antre os bosques desertos, velho e enfermo,
Senão não ver em mim um só senão?

(…)

Passando os olhos meus pela verdura
Das plantas, que plantou a natureza,
Me mostraram no Céu nova pintura,

Onde a minha alma, em puro fogo acesa,
Não sinta, nem consinta outro desejo,
Senão ficar de amor divino presa.

(…)

Em vão pera comigo o tempo gasta
Quem mais quer alongar meus longos dias,
Que a morte, inda que tarda, não se afasta.

Venha quando quiser, por quaisquer vias,
Que por nenhuma já pode vir cedo
Despir as enrugadas carnes frias.

Deixe-me o coração arder um Credo
Naquele amor divino a quem me dei,
Enquanto vivo aqui neste degredo.

No meu Deus, em que só me confiei,
Porque por mi pregado foi na Cruz,
Confiado só nele acabarei,
Chamando por Maria e por JESUS.

2 comentários:

  1. A Natureza é uma criação divina, onde tudo é perfeitamente ligado e estruturado, e nada é acaso.
    Há muitos anos que olho para o Mar e vejo Deus. Há muitos anos que entro no Mar e sinto estar com Deus. A Natureza abre-nos a porta da espiritualidade, resta-nos saber mantê-la aberta.

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  2. Alegre e grato por este comentário sobre a "porta da espiritualidade". Evoca também o ensinamento de Jesus: "batei e abrir-se-vos-á".

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