domingo, 22 de julho de 2007

Sobre a Oração - São Simeão, o Novo Teólogo

O texto seguinte é retirado de um belíssimo livro editado por Patrick Laude e pela World Wisdom Books, intitulado “Pray without Ceasing – The Way of Invocation in World Religions”. Este livro é uma antologia sobre o caminho da oração invocatória, apresentando pela primeira vez 24 textos basilares das várias grandes religiões e 22 ensaios elaborados por alguns dos mais conceituados autores e autoridades espirituais do nosso tempo.

O presente texto pertence à tradição Hesicástica da Igreja Ortodoxa. É atribuído a São Simeão (949–1022), o Novo Teólogo, estando incluído na colecção Philokalia.

A Philokalia (literalmente significando “Amor pelo Belo”) é uma colecção de textos escritos entre os séculos IV e XV pelos grandes mestres espirituais do Hesicasmo da Igreja Cristã Ortodoxa Oriental. Apesar destes textos já serem amplamente conhecidos anteriormente à publicação da Philokalia, a sua influência cresceu consideravelmente após a sua compilação em Grego em Veneza no ano de 1782. Existe uma excelente tradução em língua inglesa editada por G.E.H Palmer, Philip Sherrard e Kallistos Ware.


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Verdadeira e apurada entrega e oração significa que o intelecto mantém o coração sobre cautela enquanto ora; deve estar sempre em alerta no coração, e do seu interior – das profundezas do coração – deverá oferecer as suas orações a Deus. Depois de ter sentido no coração que o Senhor é generoso (cf. Salmos 34:8. LXX), o intelecto não terá qualquer desejo de deixar o coração e repetirá as palavras do Apóstolo Pedro, “É bom para nós estar aqui” (Mateus 17:4). Manterá a atenção no interior do coração, repelindo e expulsando todos os pensamentos ali gerados pelo inimigo. Para aqueles que não têm conhecimento desta prática, parecerá extremamente dura e árdua; e de facto é opressiva e laboriosa, não só para o não iniciado, mas também para aqueles que, apesar de genuinamente experimentados, ainda não sentiram o deleite que será encontrado nas profundezas do coração. Mas aqueles que já saborearam este deleite proclamam com São Paulo, “Quem nos separará do amor de Cristo?” (Romanos 8:35).

Os nossos Padres Sagrados ouviram as palavras do Senhor, “Do coração provêm maus pensamentos, assassinatos, adultérios, impureza, roubos, perjúrios, blasfémias; estas são as coisas que arruínam um homem” (Mateus 15:19-20); e eles também O ouviram quando Ele aprecia que limpemos o interior da taça de modo a que o exterior também possa ser limpo (cf. Mateus 23-26). Assim, eles abandonaram todas as outras formas de trabalho espiritual e concentraram-se totalmente nesta tarefa de guardar o coração, convencidos que através desta prática conseguiriam também possuir todas as restantes virtudes, enquanto que, sem isso, nenhuma virtude poderia ser firmemente estabelecida. Alguns dos Padres chamaram a esta prática quietude do coração, outros entrega, outros guarda do coração, outros atenção, e outros ainda a investigação dos pensamentos e a guarda do intelecto. Mas todos eles trabalharam a terra dos seus corações e, desta forma, foram alimentados com o pão divino (cf. Êxodo 16:15).

O Eclesiastes refere-se a isto quando diz, “Rejubila, jovem, na tua juventude; e anda nos caminhos do teu coração” (Eclesiastes 11:9), sem culpa, expelindo a raiva do teu coração; e “se o espírito do que te domina se levanta contra ti, não abandones o teu lugar” (Eclesiastes 10:4), o “lugar” representa o coração. Da mesma forma o nosso Senhor diz, “Do coração provém maus pensamentos” (Mateus 15:19), e “Não te distrais” (Lucas 12:29). E de novo, “Porque estreita é a porta, e apertado o caminho, que leva à vida” (Mateus 7:14). Noutro lugar, diz Ele ainda, “Bem-aventurados os pobres de espírito” (Mateus 5:3); isto significa, bem-aventurados são aqueles que são destituídos de todos os pensamentos terrenos. São Pedro diz, da mesma forma, “Sede atentos, sede vigilantes, porque o vosso adversário, o Diabo, anda como um leão bramindo, em busca de quem devorar” (I Pedro 5:8). E São Paulo escreve muito claramente para os Efésios sobre o guardar do coração, “Não lutamos contra a carne e o sangue” (Efésios 6:12). E os nossos Padres Sagrados falaram nos seus escritos sobre o guardar do coração, como aqueles que o desejarem podem ver por eles próprios ao ler o que São Marco o Ascético, São João Klimakos e São Varsanuphios, e todo o livro conhecido como O paraíso dos Padres, têm a dizer sobre o assunto.

Resumindo, se não guardares o intelecto não obterás a pureza do coração, de forma a ser considerado digno para ver Deus (cf. Mateus 5:18). Sem esta guarda não poderás tornar-te pobre de espírito, ou afligir-te, ou privar-te de comida e bebida em busca de justiça, ou ser verdadeiramente misericordioso, ou puro de coração, ou pacífico, ou ser perseguido pelo bem da justiça (cf. Mateus 5:3-10). Na generalidade, é impossível adquirir todas as outras virtudes excepto através da constante guarda. Por esta razão deverás persegui-la mais diligentemente que qualquer outra coisa, por forma a aprender estas coisas através da experiência, desconhecidas para outros, as quais te estou a falar.

Acima de tudo, deverás lutar para adquirir três coisas e, assim, iniciares a obtenção do que procuras. A primeira é a libertação da ansiedade em relação a tudo, quer seja razoável ou sem sentido – em outras palavras, deverás estar morto para todas as coisas. Em segundo lugar, deverás lutar para preservar uma consciência pura, por forma a que não tenha nada com que te abordar. Em terceiro lugar, deverás estar completamente desapegado, por forma a que todos os pensamentos não tendam para nada de terreno, nem mesmo para o teu próprio corpo.

Depois, senta-te numa cela silenciosa, num canto sozinho, e faz o que te digo. Fecha a porta e retira o teu intelecto de tudo o que é sem valor e passageiro. Apoia a tua barba no peito e fixa o teu olhar físico, em conjunto com a totalidade do teu intelecto, no centro da tua barriga ou no umbigo. Restringe a inspiração de ar através da narinas, por forma a que não respires facilmente, e procura no teu interior, com o intelecto, por forma a encontrares o lugar do coração, onde todos os poderes da alma residem. No início encontrarás aí escuridão e uma impenetrável densidade. Mais tarde, quando persistires e praticares esta prática dia e noite, encontrarás, como que miraculosamente, uma crescente alegria. Pois assim que o intelecto atinge o lugar do coração, vê coisas das quais, anteriormente, nada sabia. Vê o espaço amplo no interior do coração e observa-se inteiramente luminoso e repleto de discriminação. A partir deste momento, de onde quer que possa surgir uma distracção, antes que esta se complete e assuma uma forma, o intelecto imediatamente a afasta e a destrói com a invocação de Jesus Cristo. A partir deste ponto o intelecto começa a estar repleto de rancor para com os demónios, elevando a sua raiva natural contra os seus inimigos noéticos, perseguindo-os e eliminando‑os. O restante descobrirás por ti próprio, com a ajuda de Deus, mantendo a guarda sobre o teu intelecto e mantendo Jesus no teu coração. Como diz o ditado, “Senta‑te na tua cela e ela tudo te ensinará.”

3 comentários:

  1. Decsobri o vosso blog por acaso quando pesquisava acerca de São Simeão, o Louco. Gostei muito! Paz e bem

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  2. buscando saber um pouco mais sobre São Simeão, deparei nesta página, acabei vendo um belo e grande exemplo. Gostei muito mesmo! geraldo-25/02/14.

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  3. Anónimo6/7/14 17:16

    margarida. 06.06.2014.descobri esta pagina lendo o peregrino russo- na pagina 54 do mesmo relata as 3 formas de oraçao de simeão . fui logo pesquisar estou gostando,Obrigada

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